7 de novembro de 2025

Sonho com cobra

 (Mês passado fui à Manaus, e vi algumas cobras. Uma delas estava sendo segurada por um homem, em uma aldeia indigena que fui visitar, e era maior que o corpo dele. Era grossa e forte estava enrolada no tronco do homem. Eu nao cheguei perto pra nao abrir precedentes para uma abordagem do tipo tire uma foto, pague 50 reais. 

No outro dia fui ao MUSA - Museu da Amazônia. Lá tinham alguns casebres dedicados a tipos de animais, que estavam sendo expostos em viveiros e terrários. Cobras e serpentes - algumas pequenas outras maiores, algumas verdes outras escuras, outras amarelas, mas sempre camufladas. Era dificil encontrar com os olhos o bicho dentro do terrario, e quando eu o encontrava era sempre um susto pois era tão obvio.) 

Ontem sonhei com uma cobra amarela, enorme. Eu estava em algum lugar bonito na natureza e me afastava pra explorar a região. Encontrava um lugar com uma trama bem elaborada de cipós, que faziam um telhado leve, que se mexia junto com as arvores. Tinha tambem um balanço feito de cipo. O chao era de pedra, amarelado. Eu achava o lugar tão bonito que eu resolvia deitar no chao, pra ver o telhado de cipó se movendo prum lado e pro outro.  Ficava esticada la no chao me espreguiçando e gozando da vista aérea. De súbito, não sei porque, decido me sentar no balanço, e pegar o celular, pra fazer uma filmagem do movimento dos cipós. Suspendo um pouco o balanco e quando aponto a camera pra o chão, vejo que há uma cobra imensa, amarela, bem perto de mim. Eu deveria estar quase a tocá-la quando estava me espreguiçando no chão. Ela já estava armada, enroscada em si, com a cabeça levantada e a língua investigando o ar. Agora eu estava na suspensao do balanço, e quando ele voltasse, pra fazer seu contra-movimento, eu passaria com as pernas bem perto da boca da cobra e provavelmente ela me picaria. 

Encolhi as pernas e não me lembro mais o que houve. 

Acordei com a sensação estranha de ter deitado ao lado de uma cobra em estado de bote, sem ter percebido.... e só ter podido ver sua figura através da lente da câmera do celular. 

Meu historico psicanalítico me faz querer interpretar esse sonho como a relaçao com meu ex namorado, Gabriel, relação pela qual processo um luto estranho e diferente das outras.

Gabriel sempre foi um cara amável comigo mas tambem nunca foi muito bom em manter conexão à distancia, por mensagens ou ligações. Com o tempo, e com a constante agenda de viagens, mais minhas do que dele, esse problema acabou ficando grande. Conversamos algumas vezes a respeito do assunto, e de como eu me sinto triste e profundamente perdida quando ele não me escreve por muitas horas, quando sinto que ele nao está em conexão comigo. Tentei durante alguns meses não trazer a questão, porque tenho vergonha dela. Tenho vergonha de ser essa pessoa que precisa sempre de um pouco mais de atenção, e que gosta de ligações no meio do dia, e que precisa se sentir vista sempre. eu sei que isso é uma ferida antiga, infantil, e que cabe a mim lidar com isso, sem responsabilizar meus parceiros pela manutenção da minha sanidade. Mas eu nao consigo nao sentir isso que eu sinto. Esse derretimento, essa ausencia de mim, esse desejo de morrer, me afundar em nada, toda vez que me sinto rejeitada. 

Negocio muito comigo mesma pra relativizar a sensação do abandono. Primeiro, entender que em todas as relações, há abandonos e desconexões, e que eu nao vou morrer, e que a pessoa não é um mostro porque "falhou", do meu ponto de vista emocionalmente  machucado. 

Depois que, sim, é verdade que eu sinto isso, e não é fingindo que eu nao sinto que eu vou deixar de sentir. Acolher de verdade o que eu sinto sem culpar o outro por isso. Depois, entender se a relação com esse outro está sendo possível pra mim, agora. Se a maneira de ser da outra pessoa me desperta angustia demais - então assim não é possível. Se eu comunico meus limites com meu companheiro, ele se esforça pra atende-los, ele falha, eu sustento as falhas porque vejo seu esforço e isso me acalenta e nos faz crescer, ótimo, é isso que eu quero. Mas o Gabriel, apesar de ter tentado algumas vezes atender às minhas demandas, no dia que meu pai foi internado (2017 se repete) ele nao me ligou ou mandou qualquer mensagem até as tres e meia da tarde. E isso dilacerou meu coração a tal ponto que eu vi ali uma coisa intransponível. Gabriel não tinha qualquer urgência em saber de mim, na situação difícil que eu estava. E eu, que ja me esforço pra sustentar as pequenas negligencias das relações, não me senti interessada em me colocar no lugar de tentar seguir sustentando a falta de urgência de cuidar do Gabriel sobre mim. 

Aí parece que tudo se repete... que eu falho novamente, que eu não sou boa o suficiente pra que alguém tenha urgencia em cuidar de mim. Me sinto um fracasso. Ao mesmo tempo, de alguma forma, eu consegui sustentar o fracasso que eu sou. Eu sou esse fracasso aqui. Sou assim - carente, insegura, cheia de gatilhos, e posso ser muito chata. 

15 de fevereiro de 2025

Exercico de auto imposição de escrita dia 1

 Rio de Janeiro, sensação térmica 60graus. Sonhei com você essa noite, sentia uma dor imensa  na garganta, como se ela fosse explodir por eu não conseguir o que eu queria de você. Havia algo, mas não era o suficiente. Eu sou uma criança exigente.

Meu corpo está infestado pelo fungo cândida. Hoje acordei com ele escorrendo da minha vagina. Tomei antibióticos semana passada porque removi um cisto da testa. O fungo se beneficiou do desequilíbrio da minha flora, prosperou. Agora não sei se deixo meu corpo lutar por sua regulação ou intervenho com pastas em tubos e comprimidos coloridos. 

O mestrado está em suspensão sobre minha cabeça. Fiz listas de tarefas e não cumpri nenhuma. Fico muitas horas de tela em tela, não sei ao certo fazendo o quê. Me pergunto se minha geração perdeu de vez a vida para as máquinas. Penso em Guy Debord e sempre na bala que enfiou em sua própria cabeça. De repente talvez o espetáculo ficou grande demais, e o corpo real demais, e esse gap entre um mundo e outro se chamava abismo. 

Outra noite sonhei que estava gravida. Ontem vi um menino dormindo de costas, da janela da minha casa, uma criança, uns 6 anos. Tive vontade de ser mãe de uma criança de 6 anos. 

Os domingos quentes me lembram você, e olha que hoje ainda é sábado. Eu poderia escrever isso todos os dias da semana. Tentei transformar em arte mas não consegui. 

Há em nós um eu que narra? 



4 de dezembro de 2024

Dávida de Tara Branca - pratica de hoje

 Fecharam-se pétalas de lírio branco sobre mim, como uma cabana

Sob elas me deitei de lado no chão abraçando meus joelhos 

A suavidade se impôs a mim

Quando fechei os olhos pude vê-la em sua eterna benevolência 

De pele branca cor de papel, e gélida, e suave como as pétala que nos cobriam. Uma pele feita da mesma matéria das flores. Braços longos e dedos finos me abraçaram e adentraram meus cabelos. Um colo imenso me teve, perfumada e segura. Pra sempre, eu sabia. 

Chama-la mãe seria diminuir sua força, agora sinto ao buscar descrevê-la. Era ela na verdade a rainha da benevolência eterna, a consciência da alegria da vida por si mesma. 

Te peço que me ensine, Rainha, a me amar como você me ama. Ficarei eternamente deitada em seus braços e colo gelados como um rio que está sempre a correr, e que me envolve corpo mente e espirito na certeza de seu amor. 

Que tudo falhe, se dissolva, se estilhasse no chão como um cristal denso - estarei junto de ti para gargalhar disso e observar o prisma em cores se espalhar pelo espaço e invadir nossos corações. 

Num mar de abundancia de amor, onda após onda, mergulhamos. Do outro lado saímos com os olhos cheios da profundeza misteriosa e radicalmente benévola da vida. 

Te saúdo e te venero, Grande Rainha Branca. Me cubra sempre com suas pétalas e me dê seu colo, sem que precise buscar. Vamos juntas nessa brincadeira. Pensarei em você todos os dias e deitarei lírios brancos nas beiras dos rios, pra te presentear. 


14 de novembro de 2024

o caminho do olho

 

Há uma que me espreita quieta no canto do corredor

quer responder por mim, me fazer refém, mijar na minha cama, gritar com as pessoas e depois me jogar da janela. É uma criança terrorista, armada, contra a parede, mirando um corredor escuro, vestindo uma camisola do Snoopy.

No dentro dela

há uma fenda 

pra dentro 

tão vertical 

que a suga pra baixo

e que a arremessa 

pra fora 

tão radicalmente 

que nesse paradoxo 

se embrulha em si mesma 

e gira no espaço

 sem voar 

 sem pousar

 caindo 

pra sempre 

no mesmo lugar

 presa num frame dos anos 80

 

Eu me aproximo, ela corre

Ela cai

Ela chora

Seu peito se derrama no tapete

lambança de vergonha

memórias bordô

memórias de ninguém. 

Pouco há onde estar pois dentro dela é só abismo e tudo fora é sempre como tudo dentro

sem tirar nem pôr


Eu não encontro pessoas

Eu caio dentro das pessoas

Eu busco espaço no olhar das pessoas

Onde quase nunca há

É por isso que eu faço teatro

Porque pelo menos ali

as pessoas vão para olhar

e elas ficam de olhos abertos o tempo todo


Segredo, te conto

o caminho do olho é o caminho do tato 













31 de outubro de 2024

Diagrama interno

Eu olho para as coisas com meus olhos 
Os olhos das coisas olham pra mim 
eu tenho agonia dessa troca de olhares 

Faz tempo que busco lugares úmidos e encontro lugares áridos 
Minha alma tem afinidade com a água, o musgo e a lesma 
Vem-me sempre pessoas com pratos rasos e secos 
Lambo-os em busca d'água 
Minha saliva os hidrata 
Depois o sol os seca e eles vão embora 
Minha língua guarda a memória do atrito 
Tenho sede mas já não ligo 

Nessas casas que tenho morado há sempre um pó escuro pelo chão 
Foligem das ruas 
pele de gente que anda sob o sol 
uma lesma sob o sal já viram?
 água escorrendo pro ralo 
de um piso frio na varanda de alguém 
na região dos lagos 

Há um diagrama interno 
Poeira se junta ao sol e ao calor Se junta ao barulhos, apitos, motocicletas Se junta ao enjoo, ao susto, ao cansaço 
Se junta ao deserto, à solidão, ao caminho escasso 

Riacho se junta ao salgueiro, que se junta à pedra, ao musgo, a lesma, a noite, a lua, a vagina, ao sonho, às cores, à alegria, ao mistério, aos vagalumes, a escrita, a arte, a beleza, a minha beleza, a minha lesma, a minha vagina, a minha pele, a minha vida fresca, a selvagem vontade de multiplicar-me, à excitação pelo úmido secreto da vida 

são opostos os lados do diagrama 
Vivo no lado que nao gosto em busca do seu oposto 

Enquantao não acho, me confundo com qualquer coisa 
A confusão ficou grande demais, preciso ir na essencialidade para livrar-me dela 

Menos tempo de tela 
Menos tempo de fora 
Menos tempo 
Mais espaço 
Mais espaço do lado de dentro 
Mais dentro na paisagem do espaço 
Mais umidade para o caminhos dos pés 
Mais pés para molharem-se no riacho 
Mais riacho para as pedras 
Mais pedras para contarem-me segredos 
Mais segredos para contarem-me caminhos 
Escrevo, escrevo, e nunca passo

27 de outubro de 2024

uma só

O que mais me dá dó é que a vida é uma só, e eu ainda estou de pijamas

velho amigo

Novamente aqui, olá. Uma carta ao mar, nesses momentos nos quais eu busco encontrar deus dentro de mim e acabo escrevendo sobre meu intestino. Uma anatomia da melancolia. Enfim, eu so precisava escrever nesse diario. As redes sociais nos ensinaram a só produzir coisas que podemos mostrar aos outros e hoje lembrei de voce, ANFIGURI, esse lugarzinho esquecido do mundo. Tem 16 anos que te frequento. Nossa relacao é mais velha que muitas amizades humanas. Voce, de alguma forma, é meu amigo. Me vejo em todos esses anos construindo a mesma paisagem, mesmas palavras, eu era tao assim como sou desde que nasci... e isso me reafirma que nao posso fugir de mim, apesar de tudo. As vezes eu quero muito sabe. Ser outra. Ter outras cores na minha paleta. Mas sei la, fazer o que. eu sou isso aí, Anfiguri. Eu sou essa alma do meu tempo.