31 de março de 2010

show do radiohead

Um pote para guardar tudo isso. Tampar. Deixar. E ver que eu estou aqui, tanto quanto você, e aqueles dali, para respirar.
Não há essa posse da qual eu falo, sempre, nos pronomes que uso. É habito. Um costume de pensar você preso dentro de mim apenas. Ignorar que você viva sozinho, que sua existência se despreocupe da minha. Vou tentar. E consigo.
E lá estão todos naquele canto, meio mais pra esquerda que pra direita. Todos estão juntos lá, conversando, e uns falam mais baixo que outros. Você está lá também. Como alguém que apenas está por estar, e não por mim. Como todos, você está lá. Eu gostei de te ver. Voar. Só que às vezes a liberdade alheia me aperta como que se manifestando como a minha prisão. É uma condição de comparação muito miserável, que deus me perdoe.
Eu fui tentar avisar que escondiam um corpo sobre o chão do sótão. E o sangue estava infiltrando. Eu não havia visto o corpo mas tinha certeza que ele estava, ou esteve lá. A água da bica às vezes tem gosto de cadáver – alguns confundem com esgoto. Mas eu sei. Eu vi.
Fazia uma bola gosmenta que não chegou a gotejar. Eu queria subir por aquela escada, e queria que você me ajudasse porque estava com muito medo. Eles estavam lá em baixo, podiam me ver. E era uma escada muito fina, eu podia escorregar, e quando algo me ameaçasse eu não poderia fugir, e não ia ter ninguém para me ajudar, ou ao menos presenciar a minha morte sublime. Eu queria que fosse você, se eu pudesse escolher. Se um dia eu morrer, eu quero que você veja. Promete?
Acordo. De novo. Acho que eu estava sem respirar esse tempo todo. Arde um pouco o pulmão, o ar. O tempo comprime o corpo. Comprime a mente. Por isso não vou me preocupar com o tempo. Tenho toda a vida. Inesgotável até que se finalize. Não vou contar as minhas luas, e nem as suas, mas eu quero partir antes de você. Não quero ver-te acabar sob a terra, com um câncer ou algo assim. Você vai morrer de câncer. Eu também. Acho que a gente sabe disso. Você queria morrer de uma coisa mais fulminante, um acidente de carro, de obra, um tijolo caiu ou algo assim. Só que você não entende que câncer é a coisa mais visceral. É tipo um sentimento, corroendo, corroendo e comendo tudo até ser só casca. É incrível. Muito trágico mesmo. Mais trágico que um acidente. É assim que você vai morrer. Eu estarei lá, mas eu serei só um fantasma, você vai me ver. Vou levar sua alma para a luz.
Quando eu morrer, você também vai estar lá. Do meu lado, segurando a minha mão. Daí eu direi: - “Eu te amo. Você sabe?” e sua resposta será a coisa mais importante para a minha morte. Se você não respondesse, eu viveria num limbo entre o céu e o inferno para sempre, esperando. Mas você responde logo. Você diz sei. E aí eu vou embora sorrindo.
Eu nunca vou saber o que aconteceu depois que eu morri. Mas tudo bem, eu não sou muito curiosa. Tenho déficit de atenção então as coisas ficam desinteressantes em três segundos. Menos as coisas importantes, porque essas duram pra sempre.
Talvez você tenha saído da sala chorando, e foi pra casa dar ombro a sua esposa, algo assim (ela provavelmente seria minha amiga.) Sabendo que perdeu pra sempre essa que te fala. Só uma ou outra foto que tenha sobrevivido às inovações tecnológicas. Algumas lembranças de Teresópolis. E duas tatuagens.
Eu me pergunto quantas noites um amor pode sobreviver dentro de um coração. Me pergunto todas as noites quantas noites mais. Quantas noites mais ainda poderei contar com a sua lembrança. Minha imagem quer, anarquicamente, sobreviver dentro da tua cabeça. Ela quer roubar sua paisagem interior. É ridículo.
Reluto a esta mudança. Meu corpo se estrebucha no chão, de uma maneira metafórica. Nada mais importa. É estranho.
Coloca o ouvido no meu peito. Escuta o som agudo. Eu estou aqui. Aqui. Aqui.

22 de março de 2010

tudo o que eu penso

Anfiguri que dizer "sem forma", amorfo, algo que não se distingue delimitadamente do resto, apesar de existir.
- Texto ou discurso sem ordem e ininteligível; bestialógico

- Figura
s.f. Forma exterior de um corpo, de um ser.