18 de fevereiro de 2016

12 VERÕES ATRÁS

Por enquanto está bem assim – disse, constatando latitude, longitude e presença do próprio corpo. Aqui está bem, não esta frio nem quente, nem barulhente nem morbidamente silencioso, nem melancolico nem euforico, nem fome nem enjoo. Olhou para o céu de azul infinito. Lembrou albatroz sobre o mar que estava ali em algum lugar (graças a deus). Pensou verão de uns 12 anos atrás, do cheiro da casa do amigo, Raoni, que sempre a deixava triste, da piscina do amigo que sempre a deixava triste, e da incapacidade do peito do amigo que, apesar de bem grande, não podia acolher toda aquela tristeza. A casa sobre a colina, alto lebron, os móveis e quadros de revista, todos os comodos vazios exceto pelo dele, onde ela estava. Agora está bem melhor que 12 verões atrás. A jovialidade sempre trouxe uma proximidade bem perigosa com a morte. Agora, menos jovem. Agora, menos morte. Agora, menos triste. Nessas horas a gente vê, como diria já a grande Inês: o sangue de jesus tem poder, está amarrado em nome de jesus, graças a deus deus existe. Amém.
Como foi que sobrevivi ao chão? Como foi que sobrevivi ao meio fio? Às baratas de botafogo? Ao conhaque em garrafaa plastica? Aos beatniks tagarelantes nas mesas de cabeceira, dentro das mochilas, debaixo dos braços nas praias a noite, nos onibus de viagem, nos escoderijos da cidade? Lembrou a amiga, sempre ela, que apesar de por vezes raivosa, indigesta, estivera ali sempre, segurando sua testa para tantos vomitos convulsos. O sangue da amiga tem poder. Como naquele dia que ambas bâbadas se esconderam em um caminhão com placa de são paulo. Iriam para são paulo naquela noite, foram para são paulo por alguns segundos. Pensaram são paulo. Pensaram sempre que não dava mais para ficar. Durante tantos anos, a cada instante: não dava mais. Seria o ultimo. O atropelamento à espreita, o remedio à espreita, os cortes no banheiro, o impeto do fim. Estavamos mal, como estavamos. Estavamos já no limite. Sobrevivi ao limite. Sobrevivi ao que já não dava mais. Àquela doença não sei, de alma. À tristeza da casa do amigo, à fuga cotidiana, ao sol inimigo que sismava em acabar com todas as noites sem fim.
Éramos uma legião nessa dor da juventude. Alguns mais assentados, outros mais sangrentos, uns mais misterisos, outros mais arranhados. Foi uns nos outros, caindo uns sobre os outros e sustentando uns aos outros, que pudermos sobreviver ao chão. Éramos órfãos, devo dizer. Onde estavam nossos pais?- é o que eu sempre penso quando penso em 12 verões atrás.

16 de fevereiro de 2016

nova ordem ortográfica

Nós tínhamos 33 chances de dar certo, com acentos, crases e tudo o mais. todos esses obstáculos da língua. Alfabetizados, ambos, em português. Língua materna, de bico de peito mesmo, na amamentação e no sexo. Dissemos A e B mas não cruzamos para além do alfabeto. Tem língua que a gente só entende no beijo. Deixando a saliva ir e recebendo a outra, de nação bacteriana estranha. Crendo em não contaminação,em não adoecimento. Crendo na relação biológica da simbiose dos afetos. Assim se dá a melhor mistura de cores, as vezes morrem uns, as vezes outros. sempre há morte envolvida na vida. O importante é que sigam, em contato, mais cores e estranhas formas. Seguir reinventando o fundo dos oceanos, os troncos das árvores, as comidas que comemos; Vegetais e fungos, sementes e ervas. Comida de passarinho porque permite voar, apensar de não nos criar dentes.
Afina-te mais com o pássaro ou o leão? Qual tua classe? Teu reino? Teu papel evolutivo? Dentro dos olhos: coruja ou caramujo? Quando bêbado: macaco ou serpente? Debaixo da cama: medo ou desejo? Dentro do coração: circo ou trovão?