Pelas costas do homem, eu, de braços enlaçados no seu corpo
bruto , pensava em não sei o quê. No final do abraço percebi que até então não
tinha percebido o que me acontecia. Estou abraçando meu pai. Este, meu pai,
homem feito que reclama da idade de 53 anos. Universitário. Cansado. Semi-vegetariano.
Há dois meses não o via. Hoje trouxe suas olheiras para o almoço. Disse muitas
vezes que minha estranheza com o mundo é uma constância juvenil por toda
historia da humanidade. Ele mesmo se estranha de não mais estranhar. De alguma
forma a juventude começa sendo, e nunca termina de ser, a principal referencia
de uma vida.
Eu, abraçada no homem, pensando em não sei o quê. Pouco antes
havia tido a mesma epifania. Fumávamos o
cigarro digestivo, tomávamos o café digestivo. Levávamos assuntos pesados para
o momento da digestão. Ele me contava sobre seu ultimo êxito estudantil na
academia. Percebi que era ele. Percebi que
este vivia, que era ele e sempre havia sido. As mesmas mãos, a mesma pele. Por 53
anos viveu e agora conta historias como se fosse a primeira vez. Ele brilha na
insegurança de uma vida já pela metade que vibra como os inícios. É sempre um
inicio. É sempre o que dá. Estamos aí. Estamos tentando.
Com ele nunca percebo que não há muito a ser dito. Ele não me
encerra a ansiedade. Vejo-o. De alguma maneira creio que ele, apesar de estar
sempre aos tropeços, sabe algo de misterioso sobre a vida. Ele não está em paz,
não tem muitas esperanças e muitas vezes fala muito mais do que sabe sobre as
especificidades dos casos científicos. Ele é tão comum que é estranho que não tenha
se extinguido, dissolvido na massa de pessoas do cotidiano. Ele é tão comum que
não sei como vive. E por isso me intriga. Que viva, que tenha vivido por 53
anos, que ainda tropece e ainda mais, que ainda ande e nunca tenha parado de
andar.
Eu nasci de um ser comum que se chama Pedro Henrique. Um homem
marrom, com olheiras, meu pai. Meu e de meu irmão.