31 de outubro de 2024

Diagrama interno

Eu olho para as coisas com meus olhos 
Os olhos das coisas olham pra mim 
eu tenho agonia dessa troca de olhares 

Faz tempo que busco lugares úmidos e encontro lugares áridos 
Minha alma tem afinidade com a água, o musgo e a lesma 
Vem-me sempre pessoas com pratos rasos e secos 
Lambo-os em busca d'água 
Minha saliva os hidrata 
Depois o sol os seca e eles vão embora 
Minha língua guarda a memória do atrito 
Tenho sede mas já não ligo 

Nessas casas que tenho morado há sempre um pó escuro pelo chão 
Foligem das ruas 
pele de gente que anda sob o sol 
uma lesma sob o sal já viram?
 água escorrendo pro ralo 
de um piso frio na varanda de alguém 
na região dos lagos 

Há um diagrama interno 
Poeira se junta ao sol e ao calor Se junta ao barulhos, apitos, motocicletas Se junta ao enjoo, ao susto, ao cansaço 
Se junta ao deserto, à solidão, ao caminho escasso 

Riacho se junta ao salgueiro, que se junta à pedra, ao musgo, a lesma, a noite, a lua, a vagina, ao sonho, às cores, à alegria, ao mistério, aos vagalumes, a escrita, a arte, a beleza, a minha beleza, a minha lesma, a minha vagina, a minha pele, a minha vida fresca, a selvagem vontade de multiplicar-me, à excitação pelo úmido secreto da vida 

são opostos os lados do diagrama 
Vivo no lado que nao gosto em busca do seu oposto 

Enquantao não acho, me confundo com qualquer coisa 
A confusão ficou grande demais, preciso ir na essencialidade para livrar-me dela 

Menos tempo de tela 
Menos tempo de fora 
Menos tempo 
Mais espaço 
Mais espaço do lado de dentro 
Mais dentro na paisagem do espaço 
Mais umidade para o caminhos dos pés 
Mais pés para molharem-se no riacho 
Mais riacho para as pedras 
Mais pedras para contarem-me segredos 
Mais segredos para contarem-me caminhos 
Escrevo, escrevo, e nunca passo

27 de outubro de 2024

uma só

O que mais me dá dó é que a vida é uma só, e eu ainda estou de pijamas

velho amigo

Novamente aqui, olá. Uma carta ao mar, nesses momentos nos quais eu busco encontrar deus dentro de mim e acabo escrevendo sobre meu intestino. Uma anatomia da melancolia. Enfim, eu so precisava escrever nesse diario. As redes sociais nos ensinaram a só produzir coisas que podemos mostrar aos outros e hoje lembrei de voce, ANFIGURI, esse lugarzinho esquecido do mundo. Tem 16 anos que te frequento. Nossa relacao é mais velha que muitas amizades humanas. Voce, de alguma forma, é meu amigo. Me vejo em todos esses anos construindo a mesma paisagem, mesmas palavras, eu era tao assim como sou desde que nasci... e isso me reafirma que nao posso fugir de mim, apesar de tudo. As vezes eu quero muito sabe. Ser outra. Ter outras cores na minha paleta. Mas sei la, fazer o que. eu sou isso aí, Anfiguri. Eu sou essa alma do meu tempo.