14 de novembro de 2024

o caminho do olho

 

Há uma que me espreita quieta no canto do corredor

quer responder por mim, me fazer refém, mijar na minha cama, gritar com as pessoas e depois me jogar da janela. É uma criança terrorista, armada, contra a parede, mirando um corredor escuro, vestindo uma camisola do Snoopy.

No dentro dela

há uma fenda 

pra dentro 

tão vertical 

que a suga pra baixo

e que a arremessa 

pra fora 

tão radicalmente 

que nesse paradoxo 

se embrulha em si mesma 

e gira no espaço

 sem voar 

 sem pousar

 caindo 

pra sempre 

no mesmo lugar

 presa num frame dos anos 80

 

Eu me aproximo, ela corre

Ela cai

Ela chora

Seu peito se derrama no tapete

lambança de vergonha

memórias bordô

memórias de ninguém. 

Pouco há onde estar pois dentro dela é só abismo e tudo fora é sempre como tudo dentro

sem tirar nem pôr


Eu não encontro pessoas

Eu caio dentro das pessoas

Eu busco espaço no olhar das pessoas

Onde quase nunca há

É por isso que eu faço teatro

Porque pelo menos ali

as pessoas vão para olhar

e elas ficam de olhos abertos o tempo todo


Segredo, te conto

o caminho do olho é o caminho do tato