Há uma que me espreita quieta no canto do corredor
quer responder por mim, me fazer refém, mijar na minha cama, gritar com as pessoas e depois me jogar da janela. É uma criança terrorista, armada, contra a parede, mirando um corredor escuro, vestindo uma camisola do Snoopy.
No dentro dela
há uma fenda
pra dentro
tão vertical
que a suga pra baixo
e que a arremessa
pra fora
tão radicalmente
que nesse paradoxo
se embrulha em si mesma
e gira no espaço
sem voar
sem pousar
caindo
pra sempre
no mesmo lugar
presa num frame dos anos 80
Eu me aproximo, ela corre
Ela cai
Ela chora
Seu peito se derrama no tapete
lambança de vergonha
memórias bordô
memórias de ninguém.
Pouco há onde estar pois dentro dela é só abismo e tudo fora é sempre como tudo dentro
sem tirar nem pôr
Eu não encontro pessoas
Eu caio dentro das pessoas
Eu busco espaço no olhar das pessoas
Onde quase nunca há
É por isso que eu faço teatro
Porque pelo menos ali
as pessoas vão para olhar
e elas ficam de olhos abertos o tempo todo
Segredo, te conto
o caminho do olho é o caminho do tato