11 de novembro de 2006

“Você... quer ouvir a descrição da morte? A evacuação da alma.... será como uma tosse?”

Meus nervos nunca estiveram tão inchados e meu corpo nunca esteve tão imóvel. Uma bomba irá explodir na boca do meu estomago a qualquer minuto: é melhor travar os lábios para não cuspir fogo. Consigo sentir o calor, fruto do trabalho das minhas infinitas células para me manter vivo apenas para amar aquela criatura por todos esses longos anos, escapando por todos os meus poros de uma só vez.

Eu olho bem no fundo desses olhos incertos de si mesmos. Eu olho o corpo indócil que por muitas vezes me fez suspirar profundamente quando em sua presença e rastejar de agonia no caso raro de sua ausência, que viciou minhas mãos e hábitos e pensamento, que me escravizou.

Eu olho os seios ofegantes do cansaço e da euforia daquelas ultimas horas de ruína, como se nunca os tivesse visto, como se já não me fossem íntimos, como uma aparição divina.

Era o ultimo suspiro ante a morte pontual e irremediável, o ultimo segundo, o susto, um bocado de ar preso no pulmão imóvel depois da inalação repentina da verdade. Era o espanto dividindo as bocas nunca dantes desunidas, mas eu ainda assim consigo sentir o cheiro de seu hálito: docemente irresistível, estranhamente familiar, como a sombra da sua vida abandonada com profundo desapego na ultima esquina depois da descoberta da própria mediocridade e infinita beleza estética.

Eu me viro e caminho até a porta. Eu não olho pra trás.

Eu teria dito algo ofensivo, ou feito qualquer coisa que a marcaria a memória e a faria chorar de arrependimento no dia de sua morte, que não contaria a ninguém por pura vergonha de ter um dia visto tal atrocidade e, por isso, não ser mais um ser limpo, como gostava de se vender. Eu teria cortado sua garganta e arrancado suas unhas uma a uma. Eu teria dito: eu nunca gostei do seu cheiro... Mas na frente de tudo isso pairava uma certeza de que nada precisa ser dito, de que isso, por si só, já é o ponto final que reúne nele a essência de toda a longa frase dispensável que o precede, ou seja, a vida.

Eu deixo a chave do lado de dentro. Eu saio. Eu deixo a porta aberta, talvez na esperança de qualquer desses psicopatas criados pelo mundo moderno encontrar naquele quarto e a naquele corpo a possibilidade de liberar todas as suas angustias doentias e sufocadas pela televisão e promover orgias de sangue e dor, fazendo tudo parecer justo.

Mas o espelho não foi quebrado. E meu peito ainda arde em fogo.

Até que eu tire essa vida fácil das minhas veias.

Quando eu chegar a 10, feche os olhos.

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