22 de novembro de 2007

De noite eu visito o inferno

Choveu tanto, tanto, que todo o lugar começou a encher e transbordar. As pessoas todas entraram dentro da casa, subiram as escadas. Ficaram lá em cima, olhando a chuva dominar tudo, aquele furacão imenso que destruía tudo. Os gambás, com medo, subiam nas arvores tremulas e fracas. Eles eram todos pretos, com aqueles olhos saltados, como homens drogados. Estavam todos loucos. Aquelas caras de emburrados, que iriam matar pessoas e comer urtigas. E os cavalos passavam assim, também como furacões, fazendo a água barrenta sob seus cascos se espalharem como espirros de espíritos furiosos. E o horizonte negro parecia dizer: esse é o ultimo dia. Esse é o ultimo dia. Ultimo dia.

Era então o ultimo dia, e todos bebiam cervejas longas e quentes envolta de mim e tinham os olhares perdidos, zumbidos na cabeça, e mil planos para um amanha sombrio, que poucos sabiam que não existiria. Eu estava irremediavelmente sozinha. Estavam todos loucos, hostis, querendo matar os cavalos.

E os meus pés molhados, eles doíam muito mesmo. Era como se a água tivesse chegado nos meus ossos, e eles houvessem ficado frios e enferrujados. Eu só queria ir pra casa.

E então quando eu cheguei em casa só tinham espíritos. Meus pais, na mesa da cozinha há tantos anos... as mesmas gargalhadas nervosas, tosses descontroladas, pão com manteiga e cheiro de café velho. E aquela gosma de noite confusa na boca, de leite azedo, um cheiro de manha tediosa, com uma panela de pressão fazendo barulho no fogão.

Eu fui procurar meu irmão mas ele estava de saída pra correr de carro pela lama que a chuva tinha deixado. Ele desceu as escadas e não olhou pra mim;foi embora pra voltar em tempo indeterminado.

E eu vagueei pela casa. Pés úmidos e escorregadios. Um passarinho chato gritava lá fora, passarinho que grita pra dizer que a chuva terminou. Mas não importava. O sol veio amarelo fazendo a água que ainda pingava de tudo brilhar feito diamante. Mas não importava. O sol me fez lembrar uma infância chata, quando eu fingia que ia caçar jacarés e lagartos e levava um cantil verde-mato. E voltava pra casa sabendo que não tinha nem visto jacaré nenhum.

Aquele era o meu ultimo dia e eu estava triste porque eu sabia que ele ainda ia demorar pra acabar.

Um comentário:

AMAN disse...

cousa curiosa a prosa não ???

experimentando...