6 de fevereiro de 2011

sem orgãos


0.       Experimentar viver nas intensidades.
Essas texturas que esfregam o corpo todo, e dentro do corpo também, como se o corpo estivesse aberto em dois, cortado ao meio.
O dia passa como ondas de calor, odor, luminosidade, junto com as imagens, os pensamentos, raciocínios-imagens, não sei como chamar. Olho a rua e ela própria se move. Meu corpo se move, eu perco o equilíbrio. Do lado dos olhos, os movimentos e cores se acumulam, se esmagam com os sons. Ouço bem forte um apito: um apagão. Estou cego por um micro tempo. Vem-me um pensamento pesado que me assusta: eu ouço o som do pensamento.

1.       Aurora da alma
Pés lisos deslizam pelo chão de pedra polida. Uma camada muito fina de qualquer coisa como um gelo. O frio na sola dos pés irradia por dentro dos ossos. O gelo é meu, sou eu quem faz o gelo.
Lá no alto passam gaivotas que deslizam assim como eu, no céu.  O vento alisa tudo, escorre no infinito das eternas superfícies.  Meu corpo é a superfície do mundo.
Eu estou no meio desse lago congelado, e tudo que eu conheço como antes ou depois está na borda do lago e não pode entrar. Meu coração pulsa nas profundezas do lago, e tudo  vibra sutilmente, com o mesmo passo.
Respiro.
Aqui eu sou quem quer que seja. Sou fluxo de identidades; não há problema.
Paro no pêlo do gato eriçado. Paro na quina quebrada da rua. Paro no som das vozes do burburinho. Eles que  falam. 
Aqui de dentro, minha paisagem se expande. Sonho que ela destrói tudo que à minha volta cresceu, sem eu permitir.  A maior dádiva é a ter a lucidez necessária para escolher como  morrer, nesses infinitos segundos de morte.
Eu morro. Eu torço para que tudo em mim morra. Eu torço para que tudo se cale. Desapareça num breu sem igual. A baleia azul de açúcar. A baleia azul de massa para molde dos dentes. A baleia azul de gelo derrete. A cadeira de gelo derrete. O coração de gelo derrete. Tudo silencia. Acabou. Caio no chão com dramaticidade. A musica para no meio, no pré coito. Caio com dramaticidade. Meus dedos se esticam em direção ao marido, que me observa com espanto. Eu sorrio.
É tudo uma grande brincadeira. Levanto-me. Sento-me na cadeira de madeira. Todo um café delicioso. O sol se estica na rua da tarde infinita.
Esse fluxo não vai parar. Não vai parar.

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