Passos largos pela rua escura, com dois ou três bêbados velhos e desconhecidos no bar da esquina. Eles gritam e se divertem, mexendo os braços pra lá e pra cá, e a boca babando uma saliva que eu diria ser de areia.
Como eu, secos. Esgotados pela noite que ainda viria, pouco desinteressados pela vida, mas isso não nunca falariam.
Essa obrigação que se tem de gostar de viver me abateu já há algum tempo. É realmente maravilhoso. Era tudo que eu queria. Sim, a realização de um sonho profundo que eu tinha quando ainda voava acima do universo, e não era conhecida de minha mãe, e esperava.
Todos esses olhos que não sabem de onde vêm, e porquê. Me deprimem quando bebem seus cotidianos. E tentam alienar-se do simples fato de que estão aqui e que não há mais nada a ser feito.
Talvez percamos tempo demais tentando. Talvez seja melhor ir embora. Para a congregação dos espíritos da eternidade. Encontrar velhos amigos, velhos conhecidos, que espero, agora trazem em seus corações pouco mais de paz e consolo para mim.
Ou, não sei, qualquer outra coisa. Qualquer outra coisa. Porque não sou realmente boa, e definitivamente não necessária a qualquer coisa ou alguém, logo, estou livre pra partir. Ninguém é insubstituível, é o que dizem.
O Pai, invejoso, tirou-me a mãe e me jogou num mar de nuvens onde eu sou a Besta que sou. Quero encontrar o que me precede, a forma motora que me impulsiona. No vácuo. E fechar os olhos junto ao corpo todo. Dormir. Voltar ao lugar de onde vim, e pra onde vou, quando eu descobrir o caminho.
Eu não tenho duvida de que estamos todos mortos.
Tem mais vida no saco de pipoca doce que se virou e revirou quando ventava, ontem, no recuo perto da igreja na São Clemente. Só eu vi. E depois o vitral refletiu com santidade as bandeiras coloridas que se agitavam.
É o suficiente. Não há mais nada que falte. Eu estou dispensada.
11 de agosto de 2009
3 de agosto de 2009
Salomé sabe o que quer.
Engole o teu orgulho, João Batista, porque és um homem e nada mais.
E todo homem nasceu pra uma mulher; nasceste pra mim!
Teu deus já não precisa de novos mortos. Sou eu quem não pode te perder.
E deus não está olhando.
E que sinto e o que vejo, e porque as coisas parecem assim como parecem, pelo menos a mim, que sou filha de quem sou filha, irmã de quem sou irmã, e assim como sou. Hei de sempre estar no cometa que é a idéia que passa para o campo da existência material. Quando o que não era, se torna, e é agora, mas mais pra frente não mais será. Toda essa instantaneidade dos momentos, e a fluidez com que as coisas são e deixam de ser me detonam com uma euforia feroz, e eu me vejo tagarelar aquilo que não devia, e perder-me nos corredores de minha própria casa, como se labirinto ela fosse, entre um café e outro. Tudo passa, mas meu peito não esquece e quer sempre repetir. Se é isso que me faz humana, preferia não sê-lo. Pois é uma confusão de considerações e parece que estou espirando mais do que mais tarde poderei expirar. E fica um monte disso ainda dentro de mim de uma forma que me toma o espaço de Ser em mim e acabo sendo metade parte irreconhecível da vida, que passa e abandona, que não já existe mais, mas que em mim fixa-se, ainda que deformada do que era ou do que um dia virá a ser, se deus tiver misericórdia e os saberes dos tempos coincidirem com essas expectativas.
Mas na verdade nada disso é realmente importante. Sendo ou não sendo, tudo há de ser como deve ser e eu creio no destino e na perfeição benevolente. Não é que eu queira amarrar a vida e cristalizar uma OBRA de entulhos especulativos. Só que estou... sendo... um pouco... triste. Fumando um cigarro atrás do outro e não querendo sair pelas ruas porque não quero ver o que de mim não faz parte, pois há um ano ou mais travei uma guerra comigo mesma pela minha independência. Mesmo sem saber que possível sentido lógico isso poderia ter. Foi-me importa por mim essa guerra, e mesmo sem querer acabo sendo complacente comigo tanto em minhas derrotas quanto em minhas vitórias. Pois sou eu, e não sei ver-me de fora. E parece que quanto mais eu desço mais me perco no egoísmo existencialista que é querer superar-se e ter uma existência ainda mais radiante, mesmo que na simplicidade. É um disfarce, pois não há nada que não seja simples, então, querendo ou não, e mesmo sendo megalômana como sou, a simplicidade nunca haveria de sair dos meus planos.
Tenho alguns amigos e quando estamos bem eles me bastam. Mas quando não estamos não me bastam, e eu mesma não me suporto. Queria que alguém me definisse o que é bastar-se em si, e ser independente. Estar no mesmo lugar é uma opção, não é? Querer-se a si, e a vida, e reproduzir-se, envelhecer, aborrecer-se, chorar, rir ou ser indiferente.
Se a praia me passa na imagem da mente devo ela buscar ou devo me contentar com sua imagem? Se não compartilho o que de mim noto, sou mesmo isso que noto? Se não decido ser como sou, e apenas sou, mesmo que me preocupando com o que sou e com que não optei ser, quem sou? Sou um querer falido ou a vitória do instante espontâneo? Sou para quem? Alguns são para os outros, outros são para um sonho, outros são para deus. alguns são para uma tradição. Outros quebram essa tradição sendo o que ela não é, e assim são para a quebra dessa tradição – são para serem livres e sentirem essa liberdade de não serem o que o mandaram ser.
Mas eu não tive regras e sendo uma coisa ou outra não sou livre, pois tudo me é permitido. Sou uma bóia em um mar sem redes. Sou um ponto em um céu branco sem fim.
Se não tenho que fazer, não faço. E o que faço, quando não tenho o que fazer, é uma invenção, que se eu não fizesse, não ficaria chateada, pois isso não faria qualquer diferença em mim. posso não fazer nada, mas isso me entedia. E quando faço, também me entedia, pois é qualquer coisa e não significa. Mesmo que eu tente que signifique, não significa. Pois é para nada. E tudo que é para nada poderia não existir.
Acontece que no fundo eu sei que não há coisa que exista que seja para qualquer outra coisa que não para si mesma.
Se eu tenho um isqueiro e o esqueço em uma gaveta por 5 anos, durante 5 anos esse isqueiro continuará sendo um isqueiro, mesmo que não exerça sua função. Só que eu nasci sem função, com nenhuma função. Preferiria ter nascido com uma função, mesmo que ela fosse esquecida. Assim poderia ser pelo menos um esquecimento.
À que me devo.
Por que estou.
Bla bla bla do homem azul.
De alguma forma é divertido, quando não é enlouquecedor. Ou até mortal.
E todo homem nasceu pra uma mulher; nasceste pra mim!
Teu deus já não precisa de novos mortos. Sou eu quem não pode te perder.
E deus não está olhando.
E que sinto e o que vejo, e porque as coisas parecem assim como parecem, pelo menos a mim, que sou filha de quem sou filha, irmã de quem sou irmã, e assim como sou. Hei de sempre estar no cometa que é a idéia que passa para o campo da existência material. Quando o que não era, se torna, e é agora, mas mais pra frente não mais será. Toda essa instantaneidade dos momentos, e a fluidez com que as coisas são e deixam de ser me detonam com uma euforia feroz, e eu me vejo tagarelar aquilo que não devia, e perder-me nos corredores de minha própria casa, como se labirinto ela fosse, entre um café e outro. Tudo passa, mas meu peito não esquece e quer sempre repetir. Se é isso que me faz humana, preferia não sê-lo. Pois é uma confusão de considerações e parece que estou espirando mais do que mais tarde poderei expirar. E fica um monte disso ainda dentro de mim de uma forma que me toma o espaço de Ser em mim e acabo sendo metade parte irreconhecível da vida, que passa e abandona, que não já existe mais, mas que em mim fixa-se, ainda que deformada do que era ou do que um dia virá a ser, se deus tiver misericórdia e os saberes dos tempos coincidirem com essas expectativas.
Mas na verdade nada disso é realmente importante. Sendo ou não sendo, tudo há de ser como deve ser e eu creio no destino e na perfeição benevolente. Não é que eu queira amarrar a vida e cristalizar uma OBRA de entulhos especulativos. Só que estou... sendo... um pouco... triste. Fumando um cigarro atrás do outro e não querendo sair pelas ruas porque não quero ver o que de mim não faz parte, pois há um ano ou mais travei uma guerra comigo mesma pela minha independência. Mesmo sem saber que possível sentido lógico isso poderia ter. Foi-me importa por mim essa guerra, e mesmo sem querer acabo sendo complacente comigo tanto em minhas derrotas quanto em minhas vitórias. Pois sou eu, e não sei ver-me de fora. E parece que quanto mais eu desço mais me perco no egoísmo existencialista que é querer superar-se e ter uma existência ainda mais radiante, mesmo que na simplicidade. É um disfarce, pois não há nada que não seja simples, então, querendo ou não, e mesmo sendo megalômana como sou, a simplicidade nunca haveria de sair dos meus planos.
Tenho alguns amigos e quando estamos bem eles me bastam. Mas quando não estamos não me bastam, e eu mesma não me suporto. Queria que alguém me definisse o que é bastar-se em si, e ser independente. Estar no mesmo lugar é uma opção, não é? Querer-se a si, e a vida, e reproduzir-se, envelhecer, aborrecer-se, chorar, rir ou ser indiferente.
Se a praia me passa na imagem da mente devo ela buscar ou devo me contentar com sua imagem? Se não compartilho o que de mim noto, sou mesmo isso que noto? Se não decido ser como sou, e apenas sou, mesmo que me preocupando com o que sou e com que não optei ser, quem sou? Sou um querer falido ou a vitória do instante espontâneo? Sou para quem? Alguns são para os outros, outros são para um sonho, outros são para deus. alguns são para uma tradição. Outros quebram essa tradição sendo o que ela não é, e assim são para a quebra dessa tradição – são para serem livres e sentirem essa liberdade de não serem o que o mandaram ser.
Mas eu não tive regras e sendo uma coisa ou outra não sou livre, pois tudo me é permitido. Sou uma bóia em um mar sem redes. Sou um ponto em um céu branco sem fim.
Se não tenho que fazer, não faço. E o que faço, quando não tenho o que fazer, é uma invenção, que se eu não fizesse, não ficaria chateada, pois isso não faria qualquer diferença em mim. posso não fazer nada, mas isso me entedia. E quando faço, também me entedia, pois é qualquer coisa e não significa. Mesmo que eu tente que signifique, não significa. Pois é para nada. E tudo que é para nada poderia não existir.
Acontece que no fundo eu sei que não há coisa que exista que seja para qualquer outra coisa que não para si mesma.
Se eu tenho um isqueiro e o esqueço em uma gaveta por 5 anos, durante 5 anos esse isqueiro continuará sendo um isqueiro, mesmo que não exerça sua função. Só que eu nasci sem função, com nenhuma função. Preferiria ter nascido com uma função, mesmo que ela fosse esquecida. Assim poderia ser pelo menos um esquecimento.
À que me devo.
Por que estou.
Bla bla bla do homem azul.
De alguma forma é divertido, quando não é enlouquecedor. Ou até mortal.
29 de julho de 2009
Eu estou num barco. Água corre aos lados. Empurra. Posso apontar o invisível: lá! Lá estou. Meu coração voando fazendo sombra no rio, à minha frente. Eu estou viva.
Desliza sobre o espelho do céu. Dedos, os meus, furando as nuvens lá no alto. Eu tudo posso, e tudo sou. Sou eu esse mundo. Sou eu inteira.
Há um vasto campo estrelado que envolve todas as almas, embalando num fluxo de secreção amorosa e quente as todas possíveis quedas de minha vida. Há uma estrada. Há a morte. As horas sumiram, dissolveram-se no Tempo que é benevolente e forte.
O Estar é seguro. Deito e rolo sob o sol do meio dia.
Incrivelmente Belo. Incrivelmente Belo. Incrivelmente Belo.
O jardim das beldades. O jardim de deus. sou uma flor branca. Sou uma abelha grávida. Um cisne. Uma gralha.
Não interessa, mais nada, pois tudo está bem apesar de eu ser retardada. Tudo está bem, tudo está incrivelmente bem.
Grata.
Obrigado, obrigado, obrigado.
Desliza sobre o espelho do céu. Dedos, os meus, furando as nuvens lá no alto. Eu tudo posso, e tudo sou. Sou eu esse mundo. Sou eu inteira.
Há um vasto campo estrelado que envolve todas as almas, embalando num fluxo de secreção amorosa e quente as todas possíveis quedas de minha vida. Há uma estrada. Há a morte. As horas sumiram, dissolveram-se no Tempo que é benevolente e forte.
O Estar é seguro. Deito e rolo sob o sol do meio dia.
Incrivelmente Belo. Incrivelmente Belo. Incrivelmente Belo.
O jardim das beldades. O jardim de deus. sou uma flor branca. Sou uma abelha grávida. Um cisne. Uma gralha.
Não interessa, mais nada, pois tudo está bem apesar de eu ser retardada. Tudo está bem, tudo está incrivelmente bem.
Grata.
Obrigado, obrigado, obrigado.
28 de julho de 2009
2 de julho de 2009
AeBdecimemmorrer
.
Ele: homem forte, trinta e poucos anos, muitos pelos nos braços. usa uma calça jeans surrada e uma camiseta branca manchada de tinta azul. Segura um martelo entre as mãos.
Está sentado em uma cadeira de metal antiga, que pegou muitas chuvas e tem as dobras enferrujadas. As botas manchadas de tinta. Um olhar de dragão de pedra, que protege o tesouro secreto, que só ela conhece. Mãos entre as pernas. Pernas cruzadas sob as astes de ferro enferrujado da cadeira. Olhos fixos nela.
Ela: moça, vinte e poucos anos. está de pé, à Dele. Usa vestido largo e pés descalços. Seu corpo pende para frente, o peito esticado deslocando o centro de equilíbrio. Quase desaba, e volta ao eixo. Como seu estomago, o corpo todo parece estar em alto mar. Nenhum sinal de cais nos olhos dele. Olhos fixos nele.
Estão em um longo corredor de pé direito altíssimo. Suas respirações fazem eco ao longo do espaço, que parece não ter fim. a cadeira está centralizada entre as duas retas paralelas que definem o espaço.
Muitas janelas se espalham no comprimento. Janelas abertas e altas, arregaçadas, deixam que o vento penetre.
Fim de tarde. O céu é branco. Há algumas arvores e matos do lado de fora, mas nenhum som. A luminosidade leitosa invade a cena, nos lugares específicos das janelas, e iluminam o chão quadriculado, de mármore, preto e branco.
Faz frio.
Ela se pronuncia, de súbito, como num susto. Fala baixo e rasgado. As palavras diretas cortam o ar na direção Dele:
-um vento passou frio pela gente. Por que você não me abraça?
Ele, imóvel - por que você não me abraça?
Ela, imóvel -eu estou com frio.
Ele, imóvel - eu estou com frio.
Ela avança no espaço, em linha reta. Ajoelha diante dele e o abraça.
Ele - nossos calores se misturarão e quando eu virar minhas costas para ir embora eu não vou mais saber o calor que é teu e o calor que é meu. Eu vou sentir ainda mais frio do que eu sentia, e terei de voltar aqui, para pegar o resto do meu calor, que ficou com você.
Ela - e eu terei de negar, pois um pouco desse calor entre nossos corpos, metade dele, é meu. E sem ele, eu não vivo.
Ele -não quero que morra.
Ela -sou eu ou você.
Ele -então é melhor não abraçar.
Ele a afasta.
- eu tenho que ir.
Ele se levanta, se vira e anda na direção oposta.
Ela fica ajoelhada. O corpo pendendo sobre os joelhos, já roxos.
Ela grita - você...
Ele pára
Ela continua, suave - você me abraçou. E eu estou sentindo frio e você está indo embora. Eu vou morrer.
Ele faz silencio.
Ela se levanta. Passa a mão sobre o joelho esfolado. Olhos fixos nele.
- eu não me importo, se você guardar ele só pra você.
Ele -calor se dissipa. É sugado pelo mundo. Esse aqui vai durar até a esquina.
Ela - mas você não vai morrer.
Ele -não. Nem você vai morrer.você gosta de dizer que vai morrer pras coisas parecerem mais fáceis. Pra fingir que tudo vai acabar e você não vai mais sentir dor. Você diz isso pra eu pensar que você está num estado terminal e que não pode viver sem mim, e assim eu fico amarrado a você, porque eu não quero que você morra.
Ela -é uma metáfora.
Ele -eu não quero que você morra nem metaforicamente.
Ele balança despretensiosamente o martelo em uma das mãos. Lentamente vai virando para continuar sua caminhada ao outro lado extremo do corredor. Agora ele está em frente a uma janela. Caminha mais. Passos largos. Olhando pros pés que vem e vão lá em baixo. Uma sombra recaiu sobre as partes do corredor protegidas por paredes. Ele anda, e entra novamente em uma área luminosa, azulada, quando:
Ela -então você me ama.
Ele, pára e volta-se para ela -amo sim.
Ela -então me abraça que eu to com frio.
Ele -eu não quero que você morra.
Ela -eu não vou morrer.
Ele -então eu não preciso te abraçar.
Ela -não, mas você quer.
Ele -na verdade, é você quem quer.
Ela - isso. Você está certo.
Ele se vira.
Ela - eu vou morrer se você não me abraçar agora.
Ele - não, não vai. Já conversamos sobre isso e nós dois entendemos que você não vai morrer. Eu estou indo embora.
Ela -eu vou morrer se você não me abraçar agora.
Ele -olha, não seja assim. Assim é ruim. Você mente. Você sabe que mente o tempo todo, eu não posso mais lidar com as suas mentiras. Você mesma disse que não ia morrer, eu não acredito em você. Você quer que eu a abrace. Você é mimada. Querer não é uma questão tão decisiva.
Ela - eu vou morrer.
Ele - me diga a diferença exata entre o abraço e o não abraço, de forma que ela explique a sua possível morte.
Ela - eu não sei explicar. Tem uma coisa quebrada dentro de mim, só você pode me salvar. Se você for embora alguma coisa vai acontecer. Não é mentira. Você tem que acreditar em mim. É sério. Eu não minto mais.
Ele - eu vou embora agora e vou te ligar amanha pra saber se você morreu.
Ela - você vai me ligar amanha?
Ele -vou,pra saber se você morreu.
Ela - e se eu não tiver morrido?
Ele -ai eu posso constatar que você é mentirosa.
Ela - assim você vai me levar ao suicídio.
Ele -achei que você fosse morrer por que alguma coisa ia acontecer, porque tem alguma coisa quebrada dentro de você, não que você fosse se matar. Você vai se matar só pra provar pra mim que você ia morrer?
Ela -claro que não. Não é uma prova, fabricada por mim, é um fato, um acontecimento atrelado à sua ausência nesse momento de agora, que se desenrolará na minha morte.
Ele -suicídio. Isso é ridículo.
Ele está enraivecido. Decide-se a andar novamente embora dali, quando:
Ela – ( chora e cai no chão sem ar. Grita) FICA COMIGO POR FAVOR. ME ABRAÇA.
Agora eles estão bem longe um do outro. Suas vozes são projetadas. A luz já caiu pela metade e estão conversando na penumbra.
Ele -não.
Ela -é questão de vida ou morte.
Ele - não importa. Eu vou embora.
Ela - você não me ama.
Ele -eu não te amo mais.
Ela- desde quando?
Ele -desde que você apelou pro “por favor” e começou a me tratar como um viciado trata a sua droga.
Ela - eu te amo. Não me deixa aqui. Me leva com você.
Ele - eu estou indo pro inferno.
Ela -não importa.
Ele faz o caminho de volta em um andar muito rápido e visivelmente agressivo. Ele pára bem junto dela, a pega pelo rosto e a põe de pé.ele põe o martelo no chão, para não machucá-la. Depois a empurra para trás.
Essa parte da conversa é feita com os dois corpos bem juntos.
-eu não vou te levar a lugar nenhum. Levanta. Olha pra mim feito gente. Limpa essa cara, garota.
Ela -você vai se arrepender.
Ele -porque?
Ela -porque eu vou te matar.
Ele -então você não me ama.
Ela - não te amo mais.
Ele -desde quando?
Ela -desde que você recusou-me ajuda, quando eu estava aos teus pés, implorando.
Você não tem coração.
Ele - não. Ele está com você, em algum lugar do seu armário, junto com as suas outras drogas.
Ela -sim, ele está lá. Enrolado num casaco, batendo e sangrando ainda.
Ele -então a culpa de você não me amar é toda sua. Eu não tenho nada a ver com isso.
Ela -e qual é a diferença?
Ele -a diferença é que, se a culpa é sua, então o problema não está comigo e sim com você. Outras pessoas ainda podem me amar.
Ela -ninguém ama alguém não ama de volta.
Ele - você ama.
Ela -não amo mais.
Ela se abaixa e pega o martelo que ele deixou no chão. Ela balança o martelo despretensiosamente nas mãos, grandes, de unhas ruídas, firmes.
Ela – e como é que você quer morrer?
Ele- eu não vou morrer. Ninguém aqui vai morrer.
Ela – (pensando em como matá-lo, se distrai e desvia pela primeira vez seu olhar dos olhos dele. Dá pequenas marteladas na mão esquerda) quer responder, por favor? Está ficando escuro. Quanto mais escuro, mais sinistro.
Ele – não se preocupe, eu estou indo embora.
Ela – quanto mais escuro, mais sinistro.
Os dois ficam se olhando até a luz se perecer completamente.
Escutamos uma queda de corpo. Minutos depois, escutamos a cadeira enferrujada cair com violência no chão.
A luz de uma manha nublada se ascende pelas janelas grande e altas.
O corpo Dele está caído, encolhido entre o chão e parede; o corpo dela está pendurado pelo pescoço, nos fios de eletricidade do lugar. O corpo balança, empurrado pelo vento frio do outro dia.
Ele: homem forte, trinta e poucos anos, muitos pelos nos braços. usa uma calça jeans surrada e uma camiseta branca manchada de tinta azul. Segura um martelo entre as mãos.
Está sentado em uma cadeira de metal antiga, que pegou muitas chuvas e tem as dobras enferrujadas. As botas manchadas de tinta. Um olhar de dragão de pedra, que protege o tesouro secreto, que só ela conhece. Mãos entre as pernas. Pernas cruzadas sob as astes de ferro enferrujado da cadeira. Olhos fixos nela.
Ela: moça, vinte e poucos anos. está de pé, à Dele. Usa vestido largo e pés descalços. Seu corpo pende para frente, o peito esticado deslocando o centro de equilíbrio. Quase desaba, e volta ao eixo. Como seu estomago, o corpo todo parece estar em alto mar. Nenhum sinal de cais nos olhos dele. Olhos fixos nele.
Estão em um longo corredor de pé direito altíssimo. Suas respirações fazem eco ao longo do espaço, que parece não ter fim. a cadeira está centralizada entre as duas retas paralelas que definem o espaço.
Muitas janelas se espalham no comprimento. Janelas abertas e altas, arregaçadas, deixam que o vento penetre.
Fim de tarde. O céu é branco. Há algumas arvores e matos do lado de fora, mas nenhum som. A luminosidade leitosa invade a cena, nos lugares específicos das janelas, e iluminam o chão quadriculado, de mármore, preto e branco.
Faz frio.
Ela se pronuncia, de súbito, como num susto. Fala baixo e rasgado. As palavras diretas cortam o ar na direção Dele:
-um vento passou frio pela gente. Por que você não me abraça?
Ele, imóvel - por que você não me abraça?
Ela, imóvel -eu estou com frio.
Ele, imóvel - eu estou com frio.
Ela avança no espaço, em linha reta. Ajoelha diante dele e o abraça.
Ele - nossos calores se misturarão e quando eu virar minhas costas para ir embora eu não vou mais saber o calor que é teu e o calor que é meu. Eu vou sentir ainda mais frio do que eu sentia, e terei de voltar aqui, para pegar o resto do meu calor, que ficou com você.
Ela - e eu terei de negar, pois um pouco desse calor entre nossos corpos, metade dele, é meu. E sem ele, eu não vivo.
Ele -não quero que morra.
Ela -sou eu ou você.
Ele -então é melhor não abraçar.
Ele a afasta.
- eu tenho que ir.
Ele se levanta, se vira e anda na direção oposta.
Ela fica ajoelhada. O corpo pendendo sobre os joelhos, já roxos.
Ela grita - você...
Ele pára
Ela continua, suave - você me abraçou. E eu estou sentindo frio e você está indo embora. Eu vou morrer.
Ele faz silencio.
Ela se levanta. Passa a mão sobre o joelho esfolado. Olhos fixos nele.
- eu não me importo, se você guardar ele só pra você.
Ele -calor se dissipa. É sugado pelo mundo. Esse aqui vai durar até a esquina.
Ela - mas você não vai morrer.
Ele -não. Nem você vai morrer.você gosta de dizer que vai morrer pras coisas parecerem mais fáceis. Pra fingir que tudo vai acabar e você não vai mais sentir dor. Você diz isso pra eu pensar que você está num estado terminal e que não pode viver sem mim, e assim eu fico amarrado a você, porque eu não quero que você morra.
Ela -é uma metáfora.
Ele -eu não quero que você morra nem metaforicamente.
Ele balança despretensiosamente o martelo em uma das mãos. Lentamente vai virando para continuar sua caminhada ao outro lado extremo do corredor. Agora ele está em frente a uma janela. Caminha mais. Passos largos. Olhando pros pés que vem e vão lá em baixo. Uma sombra recaiu sobre as partes do corredor protegidas por paredes. Ele anda, e entra novamente em uma área luminosa, azulada, quando:
Ela -então você me ama.
Ele, pára e volta-se para ela -amo sim.
Ela -então me abraça que eu to com frio.
Ele -eu não quero que você morra.
Ela -eu não vou morrer.
Ele -então eu não preciso te abraçar.
Ela -não, mas você quer.
Ele -na verdade, é você quem quer.
Ela - isso. Você está certo.
Ele se vira.
Ela - eu vou morrer se você não me abraçar agora.
Ele - não, não vai. Já conversamos sobre isso e nós dois entendemos que você não vai morrer. Eu estou indo embora.
Ela -eu vou morrer se você não me abraçar agora.
Ele -olha, não seja assim. Assim é ruim. Você mente. Você sabe que mente o tempo todo, eu não posso mais lidar com as suas mentiras. Você mesma disse que não ia morrer, eu não acredito em você. Você quer que eu a abrace. Você é mimada. Querer não é uma questão tão decisiva.
Ela - eu vou morrer.
Ele - me diga a diferença exata entre o abraço e o não abraço, de forma que ela explique a sua possível morte.
Ela - eu não sei explicar. Tem uma coisa quebrada dentro de mim, só você pode me salvar. Se você for embora alguma coisa vai acontecer. Não é mentira. Você tem que acreditar em mim. É sério. Eu não minto mais.
Ele - eu vou embora agora e vou te ligar amanha pra saber se você morreu.
Ela - você vai me ligar amanha?
Ele -vou,pra saber se você morreu.
Ela - e se eu não tiver morrido?
Ele -ai eu posso constatar que você é mentirosa.
Ela - assim você vai me levar ao suicídio.
Ele -achei que você fosse morrer por que alguma coisa ia acontecer, porque tem alguma coisa quebrada dentro de você, não que você fosse se matar. Você vai se matar só pra provar pra mim que você ia morrer?
Ela -claro que não. Não é uma prova, fabricada por mim, é um fato, um acontecimento atrelado à sua ausência nesse momento de agora, que se desenrolará na minha morte.
Ele -suicídio. Isso é ridículo.
Ele está enraivecido. Decide-se a andar novamente embora dali, quando:
Ela – ( chora e cai no chão sem ar. Grita) FICA COMIGO POR FAVOR. ME ABRAÇA.
Agora eles estão bem longe um do outro. Suas vozes são projetadas. A luz já caiu pela metade e estão conversando na penumbra.
Ele -não.
Ela -é questão de vida ou morte.
Ele - não importa. Eu vou embora.
Ela - você não me ama.
Ele -eu não te amo mais.
Ela- desde quando?
Ele -desde que você apelou pro “por favor” e começou a me tratar como um viciado trata a sua droga.
Ela - eu te amo. Não me deixa aqui. Me leva com você.
Ele - eu estou indo pro inferno.
Ela -não importa.
Ele faz o caminho de volta em um andar muito rápido e visivelmente agressivo. Ele pára bem junto dela, a pega pelo rosto e a põe de pé.ele põe o martelo no chão, para não machucá-la. Depois a empurra para trás.
Essa parte da conversa é feita com os dois corpos bem juntos.
-eu não vou te levar a lugar nenhum. Levanta. Olha pra mim feito gente. Limpa essa cara, garota.
Ela -você vai se arrepender.
Ele -porque?
Ela -porque eu vou te matar.
Ele -então você não me ama.
Ela - não te amo mais.
Ele -desde quando?
Ela -desde que você recusou-me ajuda, quando eu estava aos teus pés, implorando.
Você não tem coração.
Ele - não. Ele está com você, em algum lugar do seu armário, junto com as suas outras drogas.
Ela -sim, ele está lá. Enrolado num casaco, batendo e sangrando ainda.
Ele -então a culpa de você não me amar é toda sua. Eu não tenho nada a ver com isso.
Ela -e qual é a diferença?
Ele -a diferença é que, se a culpa é sua, então o problema não está comigo e sim com você. Outras pessoas ainda podem me amar.
Ela -ninguém ama alguém não ama de volta.
Ele - você ama.
Ela -não amo mais.
Ela se abaixa e pega o martelo que ele deixou no chão. Ela balança o martelo despretensiosamente nas mãos, grandes, de unhas ruídas, firmes.
Ela – e como é que você quer morrer?
Ele- eu não vou morrer. Ninguém aqui vai morrer.
Ela – (pensando em como matá-lo, se distrai e desvia pela primeira vez seu olhar dos olhos dele. Dá pequenas marteladas na mão esquerda) quer responder, por favor? Está ficando escuro. Quanto mais escuro, mais sinistro.
Ele – não se preocupe, eu estou indo embora.
Ela – quanto mais escuro, mais sinistro.
Os dois ficam se olhando até a luz se perecer completamente.
Escutamos uma queda de corpo. Minutos depois, escutamos a cadeira enferrujada cair com violência no chão.
A luz de uma manha nublada se ascende pelas janelas grande e altas.
O corpo Dele está caído, encolhido entre o chão e parede; o corpo dela está pendurado pelo pescoço, nos fios de eletricidade do lugar. O corpo balança, empurrado pelo vento frio do outro dia.
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