22 de junho de 2006

Brindemos ao Dharma

Meus olhos se abriram como se nunca tivessem, um dia, se fechado. A meia claridade não incomodava, era só o gosto de noite passada e de corpo cansado que denunciavam as memórias gastas de ontem ou de qualquer outro dia noite madrugada, uma hora trás, sei lá.

"Quanto tempo eu dormi? Eu dormi? Eu costumo dormir?"

Será mesmo isso um sono?

Às vezes acordo inda mais cansado do que quando me deito e apago. “Sabe garoto, fechar os olhos é uma tarefa ainda mais árdua do que abri-los”.

E é mesmo. Estranho como algumas pessoas sabem tanto da vida.

Que dia é hoje?

O sol se põe ou se levanta em algum lugar da galáxia enquanto a terra gira e nós nem sentimos. Será que eu posso ficar tonto se analisar com atenção a rotação da terra?

A poeira e a fumaça dos cigarros já apagados agem como uma cortina espessa contra a invasão da luz em algum lugar com cheiro de almas perdidas e escondias debaixo dos tapetes.

Minhas costas doem. Me comportei mal, acho, ou dormi sobre cinzeiros e capas de discos.

Carregamos os fardos das nossas gerações. É isso que fazemos todas as noites e dias e horas inseparáveis que tornam os dias indistintos, as pessoas indistintas, as frases, idéias, cheiros, vícios, vontades, valores. Quando tomamos a real consciência do nosso aparecimento e permanecia optativa no mundo, não conseguimos mais categorizar qualquer coisa que exista.

Retrocesso?

Não importa. É a questão dos extremos de um circulo. A lógica nos exime da condição de designar em que extremo se está. Não há, apenas. E não há como lutar contra a lógica. É como deus que paira sobre nossas cabeças e está enfiado entre os dedos dos nossos pés enquanto nem pensamos nele.

Bem perto de mim está alguém que vai morrer sem saber como é se sentir dessa forma. Tão catártico, tão implosivo, tão sozinho e unido a uma missão que já foi subentendida por si e por todos os seus psedo-parceiros de vida e de caos. Uma missão latente, e em hipótese alguma, ignorável, definitiva digamos e ainda não cicatrizada.

Bem perto dessa pessoa, estou eu. Alguém que não posso definir nem de longe, e que não sei se vai morrer conhecendo o estado de não implosão e catarse.

Acende-se um cigarro. Única vontade definível no momento. Um trago da bebida, uma dor que enlouquece mas não se sabe sua origem. Alguma dor em algum lugar ainda não definível por causa dessa sonolência que me acompanha sei lá há quanto tempo, pois tempo também não pode ser definido nesse estado de sonolência constante e assim se tem uma bola de neve que só tem a crescer e eu sei lá quando e como vai estourar pra depois começar de novo.

Ah, e o que vai ser agora?

Tenho que me virar pro lado pra ver se alguma coisa dentro de mim se meche e me joga de novo nas minhas carências pra eu saber as minhas necessidades e assim levantar e ir atrás delas. Ocupar o tempo. Ocupar as horas.

Tento não pensar em termos definitivos, não definir os meus atos e questões e impulsos. Digo apenas “por aí” e “mais tarde”. É claro, que certas coisas devem ser muito bem definidas, pontuadas, mas apenas internamente. As impressões, por exemplo, impressões devem ser definidas intimamente para que não se tornem cíclicas e enlouquecedoras, pois assim atrapalhariam todo o resto da não definição e seria necessário acabar com ela.

Há quem diga que isso é uma fuga. E eu não sei se acredito. Essa merda toda de saber o que quer da vida e correr atrás disso fede tanto quando a velha historia de ser você mesmo. Pra mim, pelo menos no momento, é bem plausível que não traçar metas e evitar os auto questionamentos que te impulsionam a real verdade. Agir sem critérios e intenções esclarece as faltas e angustias e principalmente as falhas de caráter.

É simples. Não sei porque inventaram tudo isso de seguir caminhos e buscar a felicidade e coisas do gênero. Deixe um homem no deserto por uma semana sem abrigo, comida e água e veremos pra onde ele anda depois. É natural, não existe raciocínio aí. Não existe raciocinio em nada que seja fundamental. Procura-se o que é vital, pois é imprescindível viver.

Para nós, lunáticos abastados de recursos vitais, outras coisas se tornam imprescindíveis, como a morte, por exemplo, assim como o prazer e as orgias verborrágicas. Para nós, lunáticos entre tantos lunáticos, o que resta é esse nilismo absurdo de tão verdadeiro que um dia ainda vai me foder se não abandoná-lo.

“Vivamos o Dharma, brindemos ao Dharma.”



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