Dorothy jogava perolas aos porcos e rezava para Santa Terezinha enquanto Tia Emy costurava meias na sala, à luz do fim de tarde. Isso foi pouco antes da tempestade acabar com tudo e jogar a casa inteira aos ares, mas ninguém sabia disso a não ser os três cavalos que comiam suas graminhas a uns
Então Dorothy estava a jogar perolas aos porcos e sentia aquela brisa que lhe acariciava o rosto em um transe quase sexual. Ela pensava em uma torre bem alta, de onde podia ver muito muito longe, até o horizonte, sem que nada tapasse a sua visão. Lá de cima, ela podia ver as colinas distantes e a migração dos pássaros selvagens que só sabem falar besteiras. O céu está calmo e em varias tonalidades de cinza, o que a confere um ocre sabor à boca, o que a faz morder os lábios e salivar um pouco mais que o normal.
Saliva com gosto de terra, deliciosamente com gosto de terra.
Tia Emy ergue os olhos por um segundo para olhar pela janela. Lá estava a torre de Dorothy, onde se debruçava docemente nos canos de ferro enferrujados para poder olhar lá pra baixo, e dobrava os pés pra trás, como que zombando da altura e do medo.
-“Ela está na idade de desafiar limites...”- pensa Tia Emy, fitando-a com os olhos plácidos, e com as mãos de papel molhado e amassado sentia o toque de seu vestido azul-claro e por vezes tencionava os dedos.
Dorothy, Dorothy, Dorothy, menina dos olhos brilhantes, apertava com bastante força os canos enferrujados e tinha as mãos frias e, agora, sujas daquele pozinho de tonalidade vermelha ou marrom, com cheiro sangue seco e tirava os pés do chão, desafiando o medo. Lá no alto da torre o céu a engolia e as nuvens a sorriam com leveza. Respira fundo e fecha os olhos, Dorothy, e sente a brisa e as mãos sujas. O céu te engole e as nuvens sorriem nessa tarde homogênea que nega,lívida, qualquer futuro e qualquer outra tarde.
Tia Emy a olha, lá do chão, lá de baixo, lá de longe, com seus olhos plácidos e pálios de catarata.
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