20 anos depois.
Depois das noites estreladas ou chuvosas, depois de manhas douradas, depois de muitas garrafas vazias de rum e vodka, morangos mordidos, almofadas queimadas. Depois de muitas vidas fartas.
Depois de cigarros apagados e músicas terminadas. Bandeiras rasgadas e lágrimas secas. O que sobrou?
O que sobrou de nossas historias de heróis e seqüestros? Das explosões que destruiriam a festa enfadonha que é o mundo e sua gente? O que sobrou?
E até mesmo das nossas danças na lua, e das calçadas molhadas durante a noite? Os nossos sapatos rasgados deixavam o frio entrar e nos arrepiavam os cabelos!
Aquela gente toda! Aqueles olhos agoniados, aquelas almas lindamente jovens, prontas, estéreis, pedindo para serem sedadas! E a musica ensurdecedora! E as palavras de gargantas arranhadas!
O garoto de peito em chamas,que guardava meia duzia de musicas do Kurt Cobain na manga, gritou para a floresta de eucaliptos. Ninguém ouviu, nenhum eco, nenhuma resposta. As palavras chiadas se perderam pela madeira e pelas folhas secas. O ponto mudo no fim se estendeu em reticências até hoje, até as ruas da cidade, até os ouvidos dos
nossos pais.
Quem responderá ao garoto? Quem gritará de volta? Bueiros sozinhos escutam suas palavras. Bueiros e baratas. Postes estremecem em sua agonia passada.
Ele acreditava que debaixo dos pés dos muitos andantes, e debaixo das caixas de cerveja dos bares sujos das esquinas, havia uma geração escondida, uma utopia perdida, um sonho esquecido.
Fechamos os olhos e ouvimos, se assim buscarmos, gritos mortos dos cinco amigos com unhas ruídas que acreditavam na revolução socialista e na poeira de seus sapatos! Urremos a eles.
Morreram de tuberculose os poetas do subsolo. Urremos a eles.
-"o que está escrito debaixo do seu copo?"- perguntemos a todos.
E dedicaremos assim nossas vidas á ferrugem do alumínio envelhecido das janelas do ultimo andar, onde não mora ninguém, onde pousam os pombos, onde estão escritas as letras do Elvis e da Madonna.
Gargantas saradas, dentes escovados, viram todos notas de roda pé.
Em um dos livros empoeirados do alto da estante, está escrito seu nome.
Seus olhos, sua rejeicao, também as suas idéias mutáveis e a sua ambição pelo niilismo estão em letras quase invisíveis á meio centímetro do fim da pagina. Ninguém vai ler, assim como ninguém escuta os gritos do garoto do peito
Será que ficaremos também escondidos debaixo das caixas de cerveja dos bares sujos de esquina?
Será que teremos nossas poesias escritas no alumínio enferrujado, entre os pombos?
Ninguém nos verá, ninguém saberá dos nossos amanheceres dourados e do frio que entrava pelos nossos sapatos!
O que estará escrito na nota de roda pé das nossas vidas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário