Uma capa de pedra fosca cobre meu coração. Eu sou uma grande mentira sem graça que o mundo resolveu contar porque não tinha mais nada pra fazer. Eu sou uma fraude. Não olhe pra mim. os espertos sabem do que eles não gostam. E por isso eles ficam longe. Porque assim eles podem não cair em armadilhas. Eu não sou esperta. Nem você. – pensou Alice consigo mesma.
Se eu me curvar para frente e tocar os meus pés, ficarei em formato de circulo e assim a energia que habita o meu corpo se moverá como uma roda de material reciclável e eu tenho certeza que em poucos minutos eu ficaria verde e apodrecida. Por isso não há motivos para tocar meus pés. Eu não enganaria mais ninguém sobre a minha idade e as minhas intenções.
Existe algo dentro de mim que é muito sujo, mas ainda não descobri o que é. Talvez seja você. Talvez seja minha própria vida, ou a sua. Talvez eu tenha câncer.- pensou Alice consigo mesma, olhando nos olhos de seu leitor.
A lua hoje é um carvão em brasa pela metade: meio vermelha meio inexistente. Tenho medo de ficar assim... meio vermelha, meio inexistente. Qual parte de mim ainda existe?- perguntou-se Alice.- ah! Já sei! A que queima! Essa daqui! – e tocou a barriga na altura do estômago.
A questão não é crescer ou diminuir, Lewis. A questão é tocar as coisas ou não tocar. A alma das coisas. A minha grande angustia deveria ser não ter mãos para pegar qualquer coisa. Ou ter mãos demais e não saber o que pegar... digo melhor: a minha grande angustia deveria ser não ter tato em certos momentos, e em outros tê-lo de forma tão aguçada que qualquer toque faria meu coração parar e vomitar.- confessou Alice em altos brados durante uma discussão calorosa com seu criador.
Alice anda por uma longa estrada fina e perfeitamente reta de tijolos amarelos. Horizonte de um lado e de outro. De repente, surge o gato inglês.
Gato inglês – pra onde está indo?
Alice – eu sigo o caminho.
Gato inglês - que caminho?
Alice – ora... Esse, bem aqui. (e bate os pés para indicar o caminho)
Gato inglês – não há caminho algum.
Alice – não é possível que não veja.
Gato inglês – essa estrada?! Sim, eu vejo essa estrada...
Alice – então...
Gato inglês – ela é cumprida demais para se chegar ao final.
Alice – mais ainda assim é um caminho!
Gato inglês – não, não é. Um caminho pelo qual não se pode atingir o seu destino não é um caminho, é um passatempo.
Alice - ...
Gato inglês – pode-se dizer que você anda, mas não minta dizendo que vai a algum lugar.
Alice – então... que caminho devo eu tomar?
Gato inglês – ora, depende de onde quer chegar.
Alice, chorosa – mas eu não sei onde quero chegar!
Gato inglês –então não tome caminho algum.
Alice –nenhum caminho?
Gato inglês – nenhum caminho.
Alice – e o que faço eu então?
Gato inglês – sente-se para não se cansar.
Alice – eu quero ir pra minha casa. Que direção devo tomar?
Gato inglês – em frente.
Alice – mas estava indo em frente quando me disse que esse não era um caminho!
Gato inglês – continua não sendo um caminho...
Alice – não entendo. Os tijolos amarelos seguem em frente, e só. Se minha casa fica nessa direção, não há como esse não ser um caminho.
Gato inglês – não é um caminho.
Alice – mas leva a minha casa.
Gato inglês – leva.
Alice – você é louco.
Gatos ingleses – sim, sou. E você é mentirosa.
Alice – quando eu menti?
Gato inglês – quando me disse que ia a algum lugar.
Alice – eu não disse não. Disse apenas que seguia o caminho.
Gato inglês – como vê...
Alice – ora, isso não é uma mentira!
Gato inglês – pois como não, se não há caminho algum?
(Alice pensa. Coça a cabeça. Olha pra baixo)
Alice – bem... e que caminho você vai tomar?
Gato inglês – eu não tomo caminhos.
Alice – certo... então, que caminho as pessoas desse lugar tomam quando querem ir a algum outro lugar?
Gatos ingleses – todos aqui já desistiram de tomar caminhos.
Alice – isso não é possível! Então o que eles fazem?
Gato inglês – (cantarola)
Alice – você não me ouviu?! O que eles fazer?
Gato inglês – essa foi a pergunta mais estúpida que eu já ouvi.
( Alice chora)
Alice – oh, céus! Eu vou ficar aqui pra sempre!
Gato inglês – e haveria de ser diferente? Estão todos aqui pra sempre.
Alice – e como chegaram aqui?
Gato inglês – essa foi a segunda pergunta mais estúpida que eu já ouvi.
Alice – como chegaram?
Gato inglês – não chegaram.
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