As vezes os sentimentos resistem à uma passagem continua do tempo, e isso não serve para nada efetivamente para essa pessoa que o guarda, essa casca, essa triste criatura.Isso serve para uma coisa. E a coisa acontece mais ou menos assim:
Quando o sentimento é guardado - e não se transforma em câncer ou em outro sentimento– e isso é importante e muito difícil de acontecer, pois existe uma pressão para a mudança – a existência dele é como uma vergonha para todos que o sabem existir. Cria um desconforto social, um constrangimento. Mas a pessoa casca não. Ela mostra, fala disso elegantemente, ela entende; os outros não querem entender pois assim teriam de admitir a naturalidade de tal acontecimento, e teriam de se perdoar também por carregarem as vezes, durante algum tempo, velhos cadáveres.
Digo cadáveres por uma consolidação da ideia de passagem, de morte, de fim de algo que nem material é. Sendo imaterial, abstração, é perecível apenas segundo uma lógica – também abstrata, igualmente imaterial e por isso reconcebivel, remodelavel , que se pode decretar o fim a qualquer momento: em todos os sentidos igual ao sentimento, partindo do eu que sente. Retomando, a transitoriedade das coisas imateriais é concebida tal qual a transitoriedade das coisas materiais. Como somos assim, profanos, e nosso serviço nesse mundo parece ser profanar a materialidade das coisas e depois joga-las à sua “transitoriedade”, sendo velho, fedido e louco aquele que guarda quinquilharias, vemo-nos aplicando a mesma lógica de consumo também Às coisas imateriais.
Não que tenhamos de sacralizar essas coisas. Esses sentimentos. Mas é importante saber que, independente da rotatividade de nossas materialidades, nossos bens imateriais não precisam sair de moda. As crenças, paixões e amores , diferentemente das batatas-fritas, dos cigarros, das TVs, das roupas, dos carros – tem a potencia de regerem sua própria lógica, seu próprio tempo e sua singular existência. Não sabemos disso pois não sabemos de nada. Pois cremos num Tempo, numa compreensão de tempo que não admite relativizações. O tempo do uso, do desgaste, o tempo do novo. Principalmente o tempo da auto apreciação cega, auto satisfação cega, impotente, insincera – esta é a apreciação e satisfação que devém de um eu inventado, de um eu que nasce na lógica compartilhada, um eu que não seria problema se pudesse ser transferível, esquecido, mas que ao contrario, assim como a lógica do tempo, não deixa seu posto à outros eus, e nisso já se constata sua insinceridade.
A rigidez das noções de qualquer coisa... às vezes me sufoca.
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