"A realidade entra por debaixo da porta, todo mês" -disse
"A sensação que eu tenho é que eu to olhando para um castelo
enorme. Que todos estão lá dentro e eu perdi a hora da entrada, eu sobrei aqui
fora" - disse.
Estão todos com medo.
Eu também não sei o que fazer.
Estou todos com medo de que não consigamos.
Sensível movimento que espreita internamente o suposto mundo
externo que apavora.
Um labirinto de odores evapora do chão com o sol quente e o
ar é úmido e esconde o futuro
Essas linhas invisíveis que organizam as coisas estão me
deixando louco. Eu não as vejo e quando noto estou fatiada, caída em pedaços,
no chão da cozinha que eu não tive coragem de limpar.
Pia louça pinga ontem pizza troco em moedas sobre a
televisão
Olhos furiosos contra meus dois pequenos peitos sutilmente
descobertos pela fina camada de algodão branco. No ônibus o velho de camiseta
xadrez observa mamilos. Passo e penso como é frio o mundo do verão do Rio de
Janeiro.
Mãos secas seguram o cano amarelo
Uma rústica sustentação do vem e vai do corpo guiado pelos
semáforos vermelhos
O caldo de gordura e cana impregnado nos encontros de
meio-fio com asfalto
Estou de volta aqui, de pernas e braços cruzados sobre o
couro preto dentro do carro que não atravessa o mar de irmãos ensandecidos
Por 20 minutos fiquei à beira do rio-rua me banhando no
monóxido de carbono dos peixes de ferro que fazem a corrente de asfalto liquido
seguir seu rumo devastador á lugar algum
Agora escrevo com os lábios secos do sono que deixei debaixo
de uma cama dura e áspera
O dia passou suave debaixo dos braços levantando os
cotovelos
A pele soltou cheiro grosso.
Houve momentos profundos de silencio quando não conseguíamos
nos olhar
Confusa como sentada no banco pequeno o arroz e feijão e
arroz e feijão feitos com sazon na semana passada. A gema do ovo endureceu e se
desprendeu cruelmente para me certificar de que eu havia passado do ponto.
Minhas costas coçam com o resto da sua porra seca que há
algumas horas escorria na fenda da minha bunda
Molhado
Molhado
A noite de ontem fala em solavancos sutis por trás dos meus
olhos
A memória como barco me sacode
Um pássaro homem bica insensatamente meus lábios que ficam
dormente e então gozam
Busco o silencio que há atrás do muro de eras, nos pequenos
cantos vazios, debaixo das mesas ou quando olhamos qualquer coisa bem de perto
Note como o ar não move e o som suporta fibrosamente o vazio
Dentro do corpo a orquestra sinfônica da ira atiça o
interior do peito. Feixes combinados a ondulações azuis, vermelhas e
amarelas. O joelho deste recém marujo
que lhe fala treme e para andar faz encaixe de gesso com gesso. Range e dói.
Mas por fora há muita gordura.
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