4 de outubro de 2010

ROMERO PLUTÃO

A triste historia de Romero Plutão.
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Romero era uma criança estranha porque ele não falava. Os médicos não sabiam o motivo, e os psiquiatras diziam que era apenas uma questão de tempo. Na realidade, o estado sempre distante, calado e sombrio de Romero não atrapalhava qualquer função de sua vida: tinha boas notas, era educado e ajudava nas funções da casa e era amável com seus pais.
A grande questão era que ninguém compreendia esse jeito do menino, e apesar de sua simpatia, era sempre excluído das brincadeiras, importunado pelas crianças do colégio e, notava-se, não era motivo de orgulho para seus pais. 1
No colégio, Romero passava os recreios brincando com bonequinhos de corda, o que não deixava feliz achando todos os brinquedos de corda muito chatos e passageiros. Romero estava entregue a uma vasta solidão entediante. 14
Ele então começou a entender tudo aquilo com grande pesar. As horas de tédio e exclusão, as brincadeiras más dos meninos que o chamavam de E.T, o olhar de desaprovação dos pais, tudo isso fez crescer em Romero uma grande raiva do mundo, e a certeza de que um dia teria que fazê-los engolir todas as suas palavras junto com suas línguas.
Quando o menino tinha 9 anos, seus pais, cansados da espera e da vergonha de ter um filho mudo e esquisito, tomaram uma decisão drástica:
- Romero, você vai ficar de pé sobre este banco até que nos fale qualquer coisa. Mas só vai descer quando ouvirmos a sua voz. Entendeu?
E colocaram o menino sobre um banco de madeira alto no meio da sala de estar.
Horas se passaram. Dias. 11
Na tarde do sétimo dia, seus pais adormecidos no tapete da sala, rodeados por caixas de comida chinesa , acordaram com uma grande berro de seu filho:
- plutããããão.
Satisfeitos, pegaram o menino no colo e o colocaram na cama, dizendo:
Dorme bem meu filho querido, agora você é um menino normal e pode falar o quanto quiser, amanha conversaremos muito.
Mas não foi assim. Romero continuou na sua solidão silenciosa. Ainda mais, ele não havia gostado do trato que seus o deram, o deixando assim sobre o banco por tantos dias. Se sentia profundamente humilhado.
Mais do que nunca, tinha a necessidade de se fazer compreendido e pensava: uma dia eles vão entender, e para isso eu não usarei qualquer palavra.
E então, na noite de seu 12° aniversário, Romero já tinha tudo esquematizado para dar sua vingança ao mundo.
Levantou da cama de madrugada, se certificou de que seus pais estavam adormecidos. Colocou na mochila uma garrafa de álcool, uma garrafa de cerveja vazia, um pavio e um isqueiro. Lacrou todas as janelas e trancou as portas. Ligou o gás e saiu, tancando a porta do lado de fora. 5
Deitado no gramado do quintal da frente, 6 esperou que o gás preenchesse o andar térreo do ambiente, e deitado de barriga para o universo infinito, ficava imaginando onde seria plutão.
Quando achou que estava bom, lançou seu coquetel molotov através da janela da sala, e , mais afastado, viu a ruína de sua família e de sua casa com um grande sorriso nos lábios. 8
Satisfeito, pegou a moto de seu pai – que espertamente havia aprendido a dirigir – e foi se refugiar na antiga fábrica de metralhadoras, onde pensava poder encontra uma dessas armas ainda funcionando.13 E achou.
Na manha seguinte, Romero foi até sua antiga escola e se plantou no plátio central esperando o sinal para o recreio. Mal as crianças chegaram, com suas caras gordas e ensebadas, e o rapaz descarregou todas as balas naqueles pequenos corpos idiotas. 10
Nunca havia experimentado tamanha felicidade. Finalmente ele estava se fazendo compreender.
Agora ele podia voltar para sua verdadeira casa. 15
Foi até os rochedos que dividiam a pequena cidade da grande mar revolto daquela tarde. Lá observando as ondas, ele tirou um corretivo de texto da mochila e escreveu na pedra:
De volta para plutão.
E lá de cima se jogou.
Nunca acharam seu corpo.
E assim termina a incrível historia de Romero Plutão.
Every night and every morn,
Some to misery are born,
Every morn and every night,
Some are born to sweet delight.





Some are born to sweet delight,
Some are born to endless night.

28 de setembro de 2010

Queria escrever uma historia sobre um menino, um homem como um menino, como também um dragão, um assassino, um desconhecido. Mais especificamente sobre as pernas desse menino, e mais especificamente ainda – sobre seus joelhos. A fraqueza dos joelhos de um homem. Queria fazer isso de uma forma bonita, leve. Esse menino andaria muito, por sua vida inteira, e eu poderia ver linhas finas douradas por onde ele passasse. Caminhando pelas ruas da nossa cidade. Caminhando por um campo verde ou queimado, debaixo de uma lua cheia, ou no meio do breu na lua nova, ou sob o sol de um verão desesperador. E sob este sol, ele estaria suando, e sua pele deixaria aquele cheiro no ar. E também o corpo deixaria sua gotas, e pelas costas – a maior de todas as superfícies do mundo – pela pele das costas, emanando junto com o cheiro e com a água: uma presença masculina molhada, quase sexual, fertilizante. Mas só eu saberia que o homem tenderia sempre ao chão. Não como tendem as outras pessoas, não como tende tudo que está acima do chão. Mais especificamente, o homem tenderia ao chão de uma forma só dele, e que só eu saberia.
Nos joelhos, finos e sensíveis
Dentro dos joelhos finos e sensíveis, os músculos e ossos desse homem teria sua dor cantada por um ranger não sonoro. E também os tornozelos.

20 de setembro de 2010

indo pro saco

7 de setembro de 2010

moeda no chão de cimento molhado de agua suja de privada

De ter partes delicadas, intocadas, às vezes frágeis. Sentir frio, na nuca e nos braços. Que ele não se lembra. Possíveis espasmos de dor interna.
O passado ficou tão longe que só a essa hora da manha me visita com imagens: mãos frias e o rosto de quem nunca esteve lá.
As memórias se perdem num redemoinho de presentes imensuravelmente grandes e confusos. Tanto que são quase nada. Um chiado profundo, os meus erros de grafia, uma ou outra cicatriz, sendo a maior parte interna.
São Paulo e as máscaras que foram comidas por bichos.
Uma lagoa cheia de fadas sub aquáticas.
Um pouco de pol.
Mas principalmente
Imensidão e embriaguez. Caos.
Cheiro de perfume desconhecido, que não se quer conhecer, mas se conhece.
Tentar recuperar – o banho quente – no qual um dia eu estive – quando não havia de quem gostar ou a quem querer ou odiar – nem ninguém a quem buscar – nem o quê.
Tipo uma felicidade guardada numa caixa – coisas do passado que não se ajustam mais ao corpo. Sou outro. Eles são outros. O mundo é outro. E onde estivemos esse tempo todo?
Onde estamos? Que realidade deformada, torpe! Bruta! É bruta!>
Pessoas dinossauros já são o suficiente para me deixar em pânico, mas elas vem em bando, e cada uma mais feia que a outra, e para mim isto já está de bom tamanho para a estranheza que sou capaz de suportar.
Mesmo as folhas que caem deixando o tempo passar, ou os hábitos que se desvanecem, as pessoas que se desfazem em palavrões e cuspidelas, a minha própria poética sem sentido e não muito bonita ou a pessoa seca que vem hoje a ser aquela que me alimentava mais intimamente.
Tudo se vai. Se transforma. Tipo decomposição de matéria. Desaparece.
E não há para onde voltar. O único caminho é para frente, ou, se realmente quisermos, para baixo...

18 de agosto de 2010

Antigamente, nas estrelas, havia uma cabana. Nesta cabana, havia três cavalos – usando ferradura.
No moinho de trás está amarrada uma fita vermelha, significando o sangue de um homem que morreu afogado em ar, e depois teve parada cardíaca e sua pele oxidou enferrujadamente.
Nos corredores listrados de amarelo horizontal e fuligem de carro de um estacionamento. Um carrinho de supermercado. Uma cabine de forças, pneus e placas que eu não consigo ler. Aqui eu morro. Afogada.
Num quarto escuro e a porta entreaberta faz um caminho de luz que corta a cama com lençol florido e o chão frio e depois se perde na claridade da janela aberta. Com algumas arvores lá fora balançando, como se o tempo fosse mudar. Em algum outro lugar do passado existia naquele espaço uma casa de fadas.
Tudo caiu no chão se esparramando e foi como se meu próprio corpo estivesse derretendo e me puxando para baixo e eu sumindo atrás de uma montanha de engasgos.
Acreditar que tem alguém te ouvindo enquanto você sonha, alguém que está atrás da porta. Mas não há ninguém, e nunca houve. E a casa se assemelha à um palácio de mármore do tamanho do mundo e lá sempre é fim de tarde. E tudo fica amarelo vazio nas paredes e nos móveis, e seus sentimentos se confundem com um grande enjoo existencial.
Ou quando a sua cara abre na janela contra uma montanha verde e o céu azul azul, e as coisas podem florescer e ficar bonitas, ou um trator pode passar em cima de tudo. E quando você vê, é você mesmo esse trator, e você tem flores entre os dentes e está rosnando para todo mundo e agora você já não tem mais raiva nenhuma, só um grande sentimento de que não valia a pena você ter um dia ido naquele lugar, porque, afinal, você se tornou um cachorro rosnador.
Ou quando chega um momento da vida que você começa a acreditar que realmente.... – e aí você é apenas mais um boçal acreditando em merda. E você vê que na verdade, há mais boçalidade ali do que você enxergava, e aí você vê que no fundo você é uma vadia e se pergunta como um dia pôde se enganar de sua própria índole.

16 de agosto de 2010

Quase tudo apagado.