27 de abril de 2008

Estudos para uma História mais Triste

Eu queria muito saber tocar violão mas eu não tenho coordenação motora.

Eu queria muito saber tocar violão mas eu não tenho um.

Eu queria muito saber tocar violão mas eu não tenho uma mão.

Eu queria muito saber tocar violão mas eu não tenho as duas mãos.

Eu queria muito saber cantar, mas estou ocupado aprendendo a tocar violão.

Meu pai morreu.

Minha mãe morreu.

Minha vó morreu.

Meu irmão morreu.

Meus tios morreram todos.

Caiu uma bomba na minha casa e só eu sobrevivi.

Caiu uma bomba na minha cidade e só eu sobrevivi.

E escorreguei num caroço de manga e morri.

A áfrica tem fome.

Meu cachorro morreu.

Meu cachorro não gosta de mim.

Meu namorado não gosta de mim.

Meu namorado fugiu do país com a minha mãe e meu cachorro não gosta de mim.

Meu pai roubou meu dinheiro e fugiu do país com meu cachorro.

Eu não tenho amigos.

Eu só tenho um amigo, mas ele não gosta de mim.

Eu tenho vários amigos mas eu não gosto de nenhum deles.

Meu único amigo matou meu cachorro.

Meus pais me deixaram e adotaram meu único amigo e juntos todos eles mataram meu cachorro.

Um homem destruiu minha vida amorosa pra sempre.

Eu destruí a vida amorosa de um homem pra sempre.

Eu matei um homem com o qual eu tinha uma vida amorosa.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa não gosta de mim.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa não me conhece.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa é meu pai.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa é meu filho.

Eu tenho uma vida amorosa com o meu cachorro.

Eu não tenho uma vida amorosa.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa me chama de “macaco burro”.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa me chama de “mãe”.

O homem com o qual eu tenho uma vida amorosa matou o meu cachorro.

Eu sou deprimido.

Eu estou deprimido.

Eu fiquei deprimido depois que meu cachorro morreu quando eu tinha 7 anos.

Eu não sou deprimido mas eu queria ser.

História Triste:

Em uma cidade do interior de algum lugar, havia uma casa cercada de plantação de brócolis. A família que lá morava não era bem uma família inteira. Uma menina de 7 anos, que cuidava da horta depois de acabar os estudos de matemática e português na escola caindo os pedaços do fim da rua. Uma vovó de 70 anos, que fazia café e bolo todos os dias e passeava pela casa carregando sua pesada idade sobre os ombros frágeis.

Para os vestidos de renda da formosa menininha, a velhinha bordava lindas margaridas amarelas e costurava paetês vermelhos.

Uma certa manha a menina acordou e não tinha cheiro de café e bolo pela casa. A vó estava na cama, encostada sobre uma pilha de travesseiros. Fechada entre os dedos de sua mão direita, um punhado de paetês e linha. Um vestido de bordado incompleto sobre a poltrona do canto do quarto. O sol branco da manha iluminava as rugas macias do rosto da velha. Seus olhos abertos, cobertos por uma gelatinazinha azul, parecia fitar a extensa plantação de brócolis pela janela.

Confusa, a menina senta-se na beirada da cama e aperta levemente a perna da avó, que imóvel permanece. Em meio segundo a informação da morte percorre todo o corpo infantil dessa pequena figura de cabelos despenteados pelo sono recém abortado.

Ela se levanta. Na cozinha o bolo duro e o café frio da manha de ontem. O silencio incomodo cutucava seus ouvidos. Nesta manha ela não iria comer, não iria ao colégio estudar matemática.

De volta ao quarto, seu rosto determinado encara os paetês que brilham, sutilmente, entre os dedos da velhinha. Em três dias ela terminaria o vestido. E no quarto ela prepararia café e bolo. Na quinta tarde solitária sairia pela porta, depois de ter despejado gasolina por toda a casa, e riscaria um fósforo curto. Enquanto a fumaça subia pelas paredes de madeira fraca da antiga casa, a menina, ajoelhada no meio da plantação, arremessava paetês vermelhos ao alto, de bocado em bocado, e o vento os distribuía em uma faixa que traçava o terreno.

Doente da garganta

É tão quente e ríspido quanto o pior dos males... quando a verdade aguda gruda na sua garganta como uma espinha de arraia, e corta todo lábio e acaba cegando a pessoa a sua frente pois em um vôo triunfal ela dispara como se nunca antes houvesse respirado.

Eu não sei dizer: me escondo em um espelho quebrado, num canto, catando sementes do seu futuro despedaçado por mim. Eu me envergonho por ter sido tomada por essa miséria de duplos nocivos; mas foi tudo como deus queria, não?!

Do outro lado desse abismo tem a queda d’água mais linda. Ele apontou meu rosto em uma inclinação superior e eu, de olhos fechados, me apaixonei pelo mundo. Como eu poderia agradecer à alguém por ter salvado minha alma do demônio e ao mesmo tempo amarrado meu corpo à esperança de um porvir?

É tão engraçado quando as coisas soam tão bregas... dá vontade de rir.

25 de abril de 2008

minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos , ainda somos os mesmos...


It's a God awful small affair
To the girl with the mousey hair,
But her mummy is yelling, "No!"
And her daddy has told her to go,
But her friend is no where to be seen.
Now she walks through her sunken dream
To the seats with the clearest view
And she's hooked to the silver screen,
But the film is sadd'ning bore
For she's lived it ten times or more.
She could spit in the eyes of fools
As they ask her to focus on

Sailors
Fighting in the dance hall.
Oh man!
Look at those cavemen go.
It's the freakiest show.
Take a look at the lawman
Beating up the wrong guy.
Oh man!
Wonder if he'll ever know
He's in the best selling show.
Is there life on Mars?

It's on America's tortured brow
That Mickey Mouse has grown up a cow.
Now the workers have struck for fame
'Cause Lennon's on sale again.
See the mice in their million hordes
From Ibeza to the Norfolk Broads.
Rule Britannia is out of bounds
To my mother, my dog, and clowns,
But the film is a sadd'ning bore
'Cause I wrote it ten times or more.
It's about to be writ again
As I ask you to focus on

Sailors
Fighting in the dance hall.
Oh man!
Look at those cavemen go.
It's the freakiest show.
Take a look at the lawman
Beating up the wrong guy.
Oh man!
Wonder if he'll ever know
He's in the best selling show.
Is there life on Mars?

17 de fevereiro de 2008

AI AI....

De quando em quando alguém faz ou fala alguma coisa que não me agrada. A pior dessas coisas e quando dizem algo que deixa claro que eu não sou especial e que a gloria não brilha em mim sem esforços. Eu não sou Jesus Cristo e a humanidade não vai precisar de mim quando sentir dor de cabeça.

É difícil identificar finalmente que se tem uma alma muito pouco ousada e que, mesmo que você tenha pensado as coisas mais fabulosas e preciosas do mundo, esses pensamentos virtuosos não o fazem alguém virtuoso. Até o mais vil dos humanos podem pensar os mais ricos valores, mas poucos – e eu não estou incluída nesses- os realmente possuem.

A cruza entre o tempo e o espaço me fez perecer na minha insignificância. É a ação, o fato de que ela existe e eu não posso me esconder dela, que me torna a poeirinha irritante que sou.

Tempo e espaço são dois fios que se cruzam e amarram os pés dos homens bem no fundo do inferno da existência. Esses somos nós, inteiramente inclusos no tudo que está irremediavelmente preso no Ser momentâneo.

Eu quero ser um Ser transcendente, mas ele não teria tanto glamour quando a bêbada atriz lamuriosa e deprimida por existir tão espremida nas molduras da vida, nesse espaço quase inexistente que é o Agora, por mais que seja a única coisa que exista. É incrível: uma coisa vem realmente atrás da outra e não tem jeito de burlar essa regra. Se pudéssemos ter duas horas em uma, ou dois espaços em um, ou todos os espaços e horas em apenas um instante – um instante infinito, claro- o que seriamos? Seriamos todas as possibilidades realizadas! O auge do poder da transposição da existência suprema em matéria. Seriam todas as cores e cheiros e olhares e sentimentos, os sons e brilhos todos juntos. Imagina todas as batidas cardíacas que um homem tem durante sua vida inteira encaixotadas em um só instante! Seria tudo branco e explosivo e leve. Seria, talvez a antimateria. E sem matéria não tem som, logo, nesse instante não existiria som algum. E todas as batidas juntas iriam fazer um coração humano parar e então ocorreria a morte.

Essa percepção de tempo e espaço como grandezas ligadas e feitoras da regra de uma coisa de cada vez é a responsável pela existência do homem. Como a abelha que, se visse as cores das flores não conseguiria delas extrair o néctar e então morreria por excesso de informação, nós homens temos de ficar presos nessas doses homeopáticas de vida. Em contra partida, essa regularidade ritmada com que a existência se mostra nos causa uma dor estomacal e uma angustia derivadas da ansiedade pelo todo, o qual, na minha opinião, conteria a dita verdade. Sem essa verdade o homem se sente uma mentira que o mundo contou a si mesmo com medo de ficar sozinho pra sempre. Uma mentira não deve ser levada a sério quando é descoberta mentira. Não nos levando a sério a depressão aumenta e então queremos nos matar. Mas temos o instinto animal e aquela coisa toda que nos diz: “isso é uma covardia. Uma loucura. Viva.” E então vivemos. Vivemos e ansiamos pelo quê, se tivéssemos, morreríamos.

18 de dezembro de 2007

Violão partido ao meio

Entre o vermelho e o amarelo daquelas linhas, havia um sorriso tímido escrito. Ana nunca havia o percebido ali, assim, sem querer se pronunciar. Mas dessa vez lá estava ele. Rico e rindo bem alto. “ e se eu o pudesse tocar?” ela pensou calada.

Ana não sabia de muita coisa naquela noite. Era como se uma grande borracha azul tivesse passado asperamente entre seus olhos e tudo, definitivamente tudo, tivesse sumido. Ela não queria, nunca mais, voltar a lembrar de nada.

Lá fora a noite rugia como um leão faminto. As luzes todas se agitavam sozinhas. Balançavam.E a cerveja quente do chão parecia evaporar sob o calor do vento a raspar nas poças de sujeira e fome e desilusão que enlamaçavam a cidade inteira. Era tudo muito detestável. Mas não importava mais. Até o enjôo havia sumido. E tinha aquele sorriso, ali bem na frente de nada, a sorrir para o nada, com sua benevolência inacreditável que só os anjos possuem. Ela teria dito “olá”, se seus pensamentos não vagueassem tanto pelo nada pacifico. O oceano a chamava amanteigadamente, aquelas águas eram calmas e mornas, ela sabia. E o cheiro da maresia abençoada pelas estrelas. Ana sonhava com as estrelas. Enfim, Ana sonhava com as estrelas e com o mar e com toda aquela imensidão debaixo dela e do seu corpo calmo adormecido sobre a palma da mão do universo. Era só o que existia. Porque seu corpo tão facilmente se cansava de andar vestido, e ter de defecar em uma louça branca e falsamente esterilizada, e ter, enfim, ter de estar aqui, assim, e gesticular e se comunicar o tempo todo de uma forma que só a fazia se sentir incompreendida e infeliz. Tinha alguma coisa muito importante por trás do que todos chamavam de vida, algo importante como aquele sorriso que lhe sorria agora. Era inevitável prosseguir até achar o extrato do que é, a única coisa que pode ser e que sempre foi. Era inevitável abandonar aquelas horas, aquelas antigas e perpetuas horas. Ana estava indo embora. Finalmente, Ana estava indo embora dali.

Deitada no sofá -eu sei disso, que Ana estava deitada no sofá do lugarzinho amontoado de pedaços de pessoas, envolta no bafo que saia daquelas paredes- ela fechou os olhos e se deixou cair em um profundo delírio de imagens e sons. Ela pensou que assim seria, que seria assim que a verdade se mostraria um minuto antes de sua morte. Um sorriso -aquele sorriso do quadro da baleia e das arvores, o tal sorriso que havia sorrido à Ana minutos antes de seus olhos se fecharem- veio se abrir entre os lábios doces da menina. Seus olhos delicadamente adormecidos se franziram repentinamente numa contorção gentil, e Ana riu. Gargalhou. Ate perder o ar.

Do outro lado da sala, de pernas cruzadas sobre o tapete florido, ele a observava. Ele tentava sugar o hálito de Ana para recolher um pouco da alma da menina dentro de sua alma. Era a paz. Ana era a sua paz. Ana era o que lhe restava de verdade dentro de seu peito. E agora ela estava sorrindo, gargalhando, expulsando com explosões de alegria pura o ar quente de seus pulmões e isso o fazia também sorrir. Sem gargalhar, mas ainda assim sorrir. Ele fechou também os olhos. Seus dedos, entre as cordas firmes de um violão partido ao meio, dançaram um baile suave, como seus antepassados, no dia do divorcio do céu e da terra. A melodia invadiu o lugar. E ele chorou como uma criança que acaba de perceber que está perdida em um bosque seco, longe de casa.

27 de novembro de 2007

Aos nossos pecados

Uma estrada longa. E os pés descalços rasgados nas solas. E os tornozelos ocos, doídos. Uma doce lua brilhando no céu da noite... uma mulher chamada Iolanda vinha.

A estrada brilhava azul prateado sob seus pés. Dos lados um breu fecundo. A mata engolia seus gemidos noturnos. O próprio rio calou seus lamentos. Iolanda passava.

Narinas abertas e o suor escorrendo pela testa e entre os seios. A noite era fria, mas não para ela. Entre os finos e delicados dedos, entre os cabelos negros e sujos, entre os dentes de marfim gasto, o vento dançava em suaves rodopios.

Em sua boca entreaberta um arzinho cítrico se deitava. No puro contorno dos lábios mais de mil inscrições sagradas.

Iolanda carregava o mundo no ventre e suas pernas tinham a força dos deuses para não dobrarem-se sob tal peso.

Iolanda tinha os corações de todos os homens do mundo a pulsarem dentro de seu estomago.

Iolanda tinha o destino nos olhos.

Dentro de um lenço amarrado carregava a cabeça de três recém nascidos. O sangue ralo fugia entre as tramas do fino tecido, gotejando no chão barrento como água benta sobre a testa dos pecadores. Ela trazia a cura. A cura para o que nem o fogo, nem a água poderiam limpar: nós.