11 de novembro de 2013

Deserto



Amolece,
Aos poucos sou capa dez ver que atrás da próxima cortina há um brilho
Não sei, acho que é o vento que me conta
e o calor
que as famílias são miragens dessa sociedade
após o grande dilúvio elas restarão como estatuas enterradas nas areias de um deserto
porque os mortos nunca vão embora.
nas casas da cidade, todas assoladas pela espera e submersas em brisa quente, as pessoas estão rodeadas de fantasmas.
Seus nomes surgem na hora do jantar, seus objetos pulam de dentro das gavetas, seus hábitos pousam de surpresa sobre os dedos dos vivos
Olha no espelho, veja seu rosto
Conversa com o fantasma que te guia.
Ouve a palavra que desvenda muito mais o futuro que o passado e denuncia mais a vida que se tem que a morte que o levou um dia de perto de você.
Agradece o fantasma que te constitui. Agradece ao batom do fantasma que ficou marcado na sua bochecha.
Reconhece a presença. Quando sair, acene e deixe uma luz acesa.

11 de outubro de 2013

não conseguir dar conta
na linguagem
quer dizer
que a linguagem é pouca
ou que a conta é alta?

desenhar "deus do vento"
pode suspender dois ou três anos
e fazer confundir pernas cansadas
com depressão

a insegurança que sabe some
já que não há chão



encontrou um pedaço de bomba de efeito moral
na calçada da rua do passeio
guardou na bolsa
e leva consigo até hoje
como patuá
protetor dos verdadeiros amantes

8 de outubro de 2013

antiqua



A escrita tem o tempo urgente. Precipitação instantânea desse orvalho mental, amorfo, denso. E eu acredito que ela pode me salvar. A linguagem pode me salvar. Por isso escrevo. E sempre que escrevo preciso definir seu motivo, seu destino, sua função. E ultimamente tenho gana de rimar, a coisa que acho mais brega. é convivência. Tenho muito medo do costume porque minha alma é naturalmente obediente. Se as hastes não me agradam eu fico é triste e só. Invejo os olhos rebeldes, os espíritos atenciosos, denunciativos. E no entanto, me envolvo sempre com o indizível e o que me faz ainda mais plasma. Porque dizer é o que dá o contorno e ei já nasci borrada, amo a borra, gosto do incompletamente dessignificado, antes, o pré, o tal orvalho.

Ontem havia um homem.  Não quero descrevê-lo. Havia ele na minha frente como uma promessa de uma vida paralela, cheia de sentido só pra mim. Ontem havia um homem. Hoje a casa é habitada por fantasmas femininos. Mas como fui tola em não perceber que atrás de um pai sempre existe uma mãe deprimida.

E no meio de tudo isso eu me lastimo da minha indefinição. Houve um instante em que eu fui menina, de rosa, de fralda, querendo aquele entre-pernas cabeludo. Já está realizado, pronto, em quase cada cama que me deito. Que susto dizer isso. Mas o pai já se foi, restam os estudos financeiros para comprar um computador, para comprar aquele livro que desvendará o sentido.  

Que mal que é esse dia em que me confronto com minha forma. Tomo 5 banhos, fazendo escorrer uma graxa, na esperança de que ela me revele a estampa que é minha finalmente  e eu não sabia. Mas minha pele cisma em se esfarelar.
É uma tremenda falta de assunto.  É uma tremenda falta. De assunto. Falar de pele e de pai. como se essa. Fosse a única. (e é). Linguagem possível. Para um ser humano como eu.

Eu me lembro de ter saído de uma enfermaria. Eu fui parar lá porque tinha mergulhado num poço de águas muito escuras, um poço escuro, cheio de folhas mortas das arvores que cobriam esse poço. E eu me lembro que a água era gelada e, quando eu mergulhava, eu tinha memórias muito intensas, de uma cidade que eu nunca vi, de uma menina de camisolas que eu nunca vi, de uma tarde se pondo no tapete da sala da minha casa, de uma estrada beira-mar, coisas desse tipo. Pois depois que eu mergulhei e lá fiquei, porque pensei demais nas lembranças, tanto que não consegui me concentrar em nadar e respirar. E quando eu pensei que eu já tinha morrido, lá embaixo do poço, misturada na sedimentação das folhas dessas árvores de cima, aí me pegaram de lá debaixo. E quando eu voltei pro chão – espalmei minhas costas naquela pedra molhada cheia de terra – e olhei pro céu, eu percebi que eu não podia mais sorrir, e que alguma coisa tinha acontecido que eu não entendia mais as coisas que as pessoas falavam, e parei de sentir também a direção da vida dentro de mim – o que se chamamos de desejo.
Foi então que eu fui parar na enfermaria.

E la na enfermaria aconteceu aquilo tudo – das horas, das roupas, das escolhas sem sentido e de suas importâncias, do sapato amarrado, da comida, da sequencia. Principalmente da sequencia das coisas, que uma coisa levaria a outra e que era por isso que eu precisava ficar acordada. Enfim. Um monte de coisas que hoje eu posso dizer que eu não sei aonde foram parar.

Mas o fato é eu fiquei muito tempo lá de forma que eu acabei de refazendo – andando mesmo, dando sequencia. Apesar de eu nunca ter esquecido que muitas, muitas coisas mesmo não tem sequencia e não é por isso que elas não existem.

E então eu fiz tudo como tinha que ser, mas uma coisa não aconteceu mais. As lembranças deixaram de vir. 

Eu entendo hoje como uma obliteração da presença íntima. Não é mais possível narrar minha vida como eu antes fazia. E é aqui que eu queria chegar – que não é mais possivel pra mim narrar a minha vida.
E o que isso significa, na pratica, é que quando eu não posso narrar a minha vida, em primeiro lugar, a linguagem esmorece. Eu tento resgatar e esse é meu caminho narrado. Nessa extrema necessidade e dificuldade.
  
  

22 de setembro de 2013

ensaio análise 1



Para escrever preciso de distancia. Como não sei onde estou não sei me distanciar. Juro que não sou infeliz, e que há muito não sofro como sofria. Também parece que meus ombros vem se levantando como as montanhas que crescem sobre as rangeduras das plataas tactonicas terrestres.
Minhas palavras estavam velhas. E agora, quais são essas? São minhas? De que isso importa?
Muitas coisas me emocionam, eu inclusive choro. Acho isso um sinal de presença, algo bom para me orgulhar. Eu atriz, eu pessoa, eu fazendo algo se mover e me permitindo ser movida.
Descobri que existe um ponto no caminho entre eu e eu mesma que me incomoda profundamente. Na verdade, são trechos. De longe sou feia. E neste trecho, quanto mais chego perto sou mais feia. Depois deixo de ser feia. Fico familar. Como aquela pessoa que não sabemos – e que não  nos perguntamos mais – como é.  Este trecho é agradável.  Mais a frente consegui ver melhor meus olhos. Lembrei-me de tudo que já falaram sobre meus olhos e lembro-me também muito bem dos olhos dos outros que já olharam os meus. Os olhos da minha mãe, os olhos do meu pai, os olhos dos outros.  São profundos em si e são profundos no rosto – ficam nos vales da face, quase somem.  E de muito perto, encostando testa na testa, o desconforto cresce. Eu sou meu pior namorado. Não aguento meus devaneios, drs e impotencias.
Depois de tanto tempo sem escrever eu ainda me pergunto porque eu tenho sempre de falar de mim.  De mim para mim, nessa perseguição.  

13 de agosto de 2013

haikai ocidental



Caiu,
o dia.
Chama noite devagar.
O passarinho aconchegou.  
Era uma brisa fresca, de uma estação intermediária no ano.
Que ano?
A varanda é de terra batida. Moitas rodeiam o portão branco e baixo.
Tem feijão no fogo.
Tem fogueira preparada pra ciranda calada.
A sola do pé ficou até fina de tanto andar descalça. Mudou de cor.
Cabelo sem peso sobre o pescoço leve.
Tem lua de mel pingando na língua.  
Amanha, quem sabe.
O tempo nem pesa.

9 de novembro de 2012


Sou como uma aranha pequena em um banheiro rico. Todas as superfícies brancas-escorregadias golpeiam o destino. Vejo-me refletida. Coloca ali as patas finas. Geladas, mudas e refráteis. Tento aquela e não posso. Me viro, ando. Há mais uma. Tento e não posso. Esqueço-me da primeira. Me viro e tento-a novamente. Não posso. E assim por diante.  Não sei quando terminei pois perdi o interesse e parei de me olhar.   
Em todo o espaço a minha frente há uma enorme pessoa como eu. ela é o próprio lugar, o ar e toda sua matéria. Parece que não é nada, mas é um enorme corpo de pessoa gigante. Quando estou olhando o vazio, na verdade estou olhando para este rosto mudo que me olha de volta. Não temos nada a dizer um pro outro ainda. Quando olho o vazio espero a palavra deste rosto mudo como o meu. Compartilhamos todos os momentos de nadas enormes, gigantes como o corpo. o corpo é gigante pois nele tem que caber todo o nada e todo o silencio que sustenta pela eternidade. O rosto mudo de nariz gigante colado ao meu nariz molhado. Respiramos a brisa humana secreta um do outro. Será que ele guarda meu segredo? Quando será que ele vai abrir a grande boca para me soprar o destino? Será que ele vai me engolir ao invés disto? Abre a boca, rosto. Quero ver o que há por dentro do futuro.