25 de junho de 2006

CERA

Naquele dia as nuvens pareciam massas sólidas de chumbo em alta densidade, prestes a derramarem-se sobre nossas cabeças.
Nada, no mundo inteiro, poderia fazer as nuvens parecerem menos pesadas, a não ser a chuva, se derramasse todo o chumbo no asfalto e levasse todo o peso embora pelos bueiros.
O peso das nuvens...era como olhar dos santos. Sempre sobre nós, no nosso encalço. Em nós. Nós sem teto que nos poupe dos santos e de seus olhos pesados. Nós, desamparados, sob o céu enfático, sob as nuvens deuses. Nós, sempre sujeitos ao peso das nuvens.
Homens, a sujeitarem seus corpos a qualquer brisa, a qualquer onda, a qualquer homem. Prostitutas do mundo; nós, sedentos pelas orgias da passagem do tempo, de cada segundo que morre no peito de cada um desses homens. Um luto eterno. Um luto a não morte, a não desistência da vida. Um luto. Nós, homens em luto por nossas costas a carregarem a insustentável leveza das brisas.
Homem, frente a seu mar de horas. Rente, o homem, a miragem dele mesmo. O homem, frente a seu próprio ombro, a seu próprio peito. Em chamas o homem. Em chamas, todos os homens. Em chamas, todos os peitos.
E a combustão não é eterna. É vela, logo apaga. Mas o peito arde enquanto queima, e sem a queima não há peito, pois o peito é a própria chama, pois a chama nada é se não a sua intensa ardência. A chama não existe se não ela, a chama sobrevive de si mesma.

E ainda assim não podemos falar sobre os infernos?

Mas o que seria o inferno, que não uma chama, eternamente acesa?
Eternamente em sua queima?
Eternamente em sua ardência dolorosa?
Naquele dia, assim como em todos os outros, as nuvens sabiam de todo esse inferno dos homens. As nuvens, naquele dia também, nada fizeram para apagar as chamas. E tampouco fizeram as brisas...
O tempo nada havia mesmo de fazer, posto que este é apenas o contador final das dores.
Os olhos dos homens, debaixo das nuvens e frente ao seu mar de horas, eram velas derretendo. A cera escorria dos olhos, a chama queimava no peito. Tais olhos, essas centenas de olhos, acesos como faróis, iluminavam até as nuvens com a luz do fogo de dentro dos corpos dos homens.
O chumbo, naquele dia, permanecia nas nuvens, rígido.
A chama que queimava nos homens nada fez em derreter o chumbo das nuvens. Ocupava-se apenas, a chama, de derreter os próprios homens e seus infernos de fogo.

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