A tarde enlatada no mercado de Tókio era assim:
Ela trazia trinta folhinhas secas e maçãs em calda muito deliciosas.
Tem uma escritura assim na lata:
“Coloque as folhinhas em um prato raso em frente a um ventilador, ligue o ventilador e esteja pronto para aproveitar a melhor tarde de sua vida.”
Os mágicos empresários devem ter deduzido que os compradores saberiam o que fazer com as maçãs em calda muito deliciosas.
O produto vinha com um nome de divulgação: “Tarde enlatada no mercado de Tókio”. Em letras vermelhas e em estilo rococó dos anos 30.
Por algum motivo acharam que esse era um nome e tanto. Super chamativo.
O cara que teve essa idéia usava um turbante legal na cabeça e comia lingüiça na fogueira todas as tardes na companhia de seu cachorro. Era um grande homem, diziam, mas só o cachorro sabia que ele na verdade era um cara triste. Ele era triste porque o turbante caia sobre seus olhos muitas vezes por dia, o que o obrigava a fazer movimentos repetidos com o braço direito, desenvolvendo uma disfunção motora por repetição. Assim, o grande cara, quando chegava a tarde, não podia segurar o seu espeto de churrasco com o braço direito, e segurando com o braço esquerdo, do qual nunca teve muito controle e nunca consegui desenvolver, sempre acabava deixando a lingüiça muito perto do fogo e ela ficava com o aspecto e o gosto de um pedaço de madeira queimada.
Apesar de todos esses contratempos que causava o turbante, o grande homem não poderia deixar de usá-lo. “Grandes homens usam turbante”- ele dizia ao cachorro. E o cachorro ouvia.
Um outro grande homem, e esse também usava turbante como todo grande homem, sentava-se sobre uma cadeira de isopor em frente a sua banca de latas “tarde enlatada no mercado de Tókio” em uma das grandes ruas de Tókio mesmo. Por razão desconhecida por ele, sofria de um mal: acordava e dormia com gosto de madeira queimada na boca. Nem a melhor pasta de dente poderia salvá-lo, ele era um dos grandes homens.
Mais tarde o mal do gosto de madeira queimada veio a ser chamado de epidemia e ganhou força na imprensa. Até quem não era um grande homem tinha sido tomado pelo desconforto que agoniava qualquer alma. Até mulheres, até meninos.
Pesquisas medicas, a ciência debruçada sobre tocos de madeira queimada em seus laboratórios bem equipados e tão brancos que poderiam cegar qualquer olho que não estivesse coberto por aqueles óculos protetores.
Zilhoes de medicamentos miraculosos foram inventados e vendidos até que outros mais miraculosos ainda fossem lançados, então os segundos aniquilavam com os primeiros, até que viessem os terceiros, é claro.
Até que um certo dia os homens resolveram esquecer sobre o mal da madeira queimada e voltar a suas vidas. Para isso, consumiam chicletes e balas e comidas sem intervalos, e bebiam as mais estranhas bebidas corrosivas de gosto forte e cor marrom, dinamizando a economia de todo o mundo. Dinamismo, sempre mais dinamismo para que o gosto de madeira queimada fosse esquecido. Cinemas lotados, televisões ligadas durante todo o dia, e o que mais pudesse roubar a atenção do homem da própria boca e fazê-lo negar a própria língua. Caries, problemas estomacais, muitos e muitos transplantes de fígados corroídos. Ótimos focos de atenção, ótimo jeito de passar as horas. Concursos públicos, viagem a lua, alterações do DNA, drogas alucinógenas e estimulantes, bombardeios, e mais chicletes, sempre um ótimo gostinho de hortelã na boca. Oh! Com um ótimo gostinho de hortelã na boca!
E com tanto que esse gostinho de hortelã pudesse amenizar a madeira queimada, a massa poderia seguir seu curso, e todos poderiam ocupar suas horas sem muitos problemas, sem que um grande incomodo chegasse a atrapalhar os sonho de toda uma geração. E ironicamente o sonho de toda uma geração era atingir o titulo de “grande homem”, e usar turbantes.
Se o cachorro do grande homem que come lingüiças queimadas pudesse falar... ele, certamente, não falaria nada.
Um comentário:
hmmm..bem interessante..mais assim..pra vc o que é o gostinho de madeira queimada na boca!?
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