18 de julho de 2008

CÓPIA

Havia algo atrás da parede. Eu havia sonhado, sim. Foi um sonho. Sempre sonho que há algo atrás das paredes. De todas elas, há um algo, um único. Sonhos repetidos, toda noite ou algo assim. Acordo no susto. Meus olhos pregados pelo sono. Desde criança tenho a impressão que alguém estava lá enquanto eu dormia.

Eu não sei dizer; qualquer coisa que eu diga fugiria do que é realmente a verdade. Estou brincando de pegar nuvens há tanto tempo...

Mas eu sei que há. Algo atrás da parede. É difícil especular mas. Mas isto é mais real do que eu mesmo, que me toco e sei quem sou e onde estou e esta mesa ali à frente e tudo que pende dela, todas as cordas penduradas no meu quarto. elas não balançam, mas poderiam, e essa possibilidade é tão real que eu acho que poderia fazê-la presente apenas pensando nela. Mas o algo atrás da parede nunca me apareceu. Uma sombra que desaparece na luz, eu posso imaginá-la. sou cárcere disso que não sei o que é, mas sou. Algo atrás de mim, atrás da parede, tem tirado a minha concentração.

Sonho que há uma parede e que há algo atrás dela. E quanto mais eu chego perto mais ela recua, e eu nunca chego onde queria chegar. E quando estou olhando, de longe, meus ouvidos parecem se fechar para todo o resto do mundo, e tudo que há é a imagem: a parede, e algo atrás dela.

Eu lavo meu cabelo com água de lavanda, numa bacia de metal, no meio de um grande campo de grama verde. A água escorre minha testa, na boca tem gosto amargo. O sol brilha lá no alto, eu não gosto dele assim tão grande e forte. Estou nua e meus pés sujos de lama. A grama me coça as pernas. Há uma urgência de alguma coisa. Não espero ninguém, tenho de inventar o que eu espero. Eu espero o sol se por para eu entrar de volta em casa e descer as escadas e me deitar no chão e me cobrir com um lençol. Sozinha. Na boca o gosto é amargo.

E eu fecho os olhos, sinto fome. Se eu comer o pão ele deixará de ser pão e se tornará eu. E amanha ele estará em meus olhos, pele e sangue. Tenho cheiro de tudo que eu como.

Eu não sei pra onde vão os pássaros lá em cima, que desenham um V na cor chapada do céu pesado de verão. Ele me impede de voar. Do céu caem pedacinhos invisíveis de chumbo e ouro, que me fazem ficar presa ao chão. Gosto de pensar que eu sou um homem. Homens sempre sabem o que fazer quando estão sozinhos e vêem pássaros.

Se eu quiser voltar para a cidade, vou ter de passar por todo aquele caminho árido, que me fez chorar já muitas vezes. Nos cantos escuros do caminho sempre se esconde um perigo potencial. Preferiria que o perigo se manifestasse e me arrancasse a cabeça do que ele ficasse espreitando, como fica. Me deixando passar, sempre, me deixando viva. Uma alma viva e amedrontada vale menos do que carne morta.eu sei. Ele sabe. E é por isso que me deixa viver. No escuro, por trás das arvores e matos rasteiros, caminha pesado o oscilante um monstro zombador e sarcástico. Nunca o vi, mas sei que existe.

Sonhei que entrava na mata, primeiro rasteira e seca sob uma luz amarelada do canto da estrada, depois escura e alta, e úmida. Lá no alto havia uma casa. Uma mesa de madeira velha estava coberta por muitas velas derretidas e apagadas. A cera cobria a outra cera e todas elas derretidas e secas faziam um amontoado esbranquiçado. Sei que debaixo de toda aquela massa havia alguém, uma pessoa morta. Meu avo, talvez, não vi, tive medo, poderiam me matar. A casa tinha a iluminação de uma tarde fresca, uma feixe de luz entrava pela porta. Da madeira das paredes desprendia um cheiro forte de algas marinhas e sal. Em algum lugar tinha um mar infindável e cinza, no qual eu nunca poderia navegar.

Um negro cor de carvão, (sua pele grossa e rachada, como madeira queimada) cavava um terreno feito de pó branco e fino. Ele estava no meio desse terreno e tinha uma pá. Estava agachado, manchado de branco, principalmente suas mãos e pés. Ele tinha os olhos grandes demais, brancos demais.

“Negris”, eu disse, chamando-o para pedir ajuda. Eu fugia de alguma coisa e ele era escravo da mesma coisa pela qual eu fugia. Ele me olhou. Virou a cabeça e me olhou, como um animal assustado.

Meu coração batia rápido demais, ele me deixava tonta com o barulho enorme que fazia, eu queria que ele batesse menos ou parasse. Nada era pior do que estar ali, não sei onde, mas ali, naquele lugar incomodo.

A parede, eu sei que eu estava olhando para a parede. É neste lugar incomodo que eu estou.

Uma vez sonhei que eu estava correndo no meio de um cemitério. E era tudo amarelo e marrom e tinham muitas arvores mortas que pendiam sobre a minha cabeça e os galhos pinicavam meu pescoço, mas eu continuava correndo. Pulava sobre os túmulos, todos feitos de cimento poroso. E quanto eu penso nisso tenho vontade de vomitar.

O que há atrás da parede é o meu inferno. Eu achei que teria a minha salvação, mas até então ela não veio. Eu achei que você fosse me ajudar.

Uma vez eu sonhei que eu estava numa casa destruída. Pedaços de madeira caídos no chão, alguns atravessados até o teto. Um espelho enorme a minha frente. Eu me olhava, me olhava. E eu chorei.

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