25 de setembro de 2008

4mg.

O casal do prédio ao lado ainda briga. Sentada aqui, comecei a ouvi-los novamente. Só ouço a voz do homem, que parece ter morrido para dar lugar à um demônio. Coisas batem nas paredes dentro daquele quarto que, de dia, tem flores na janela.

Ela eu não escuto. Não fala nada, não grita. Não precisa de nada. Ela tem cachorro que chora por ela. Ela tem um homem que a castiga, e ela pensa que deve mesmo ser castigada. Sua criação foi católica. Joelhos no milho e terço na mão.

No ponto de ônibus, depois de um dia exaustivo ao qual eu nem gostaria de ter sobrevivido, uma mulher negra tenta se jogar na frente de um ônibus. Um homem a agarrou pelos braços e a trouxe, a força, novamente para a calçada. Ela gemia. Dizia algo que meus ouvidos tímidos não quiseram escutar. Ela foi arrastada novamente para a casa de saúde mental, onde os gatos são os médicos e os loucos somos nós. Passou bem perto de mim. eu, nobre, recuei e encostei nas grades imundas de fuligem. Senti seu cheiro. Ela cheirava a mijo. E ela não parava de gritar. Sumiu lá dentro das sombras das arvores, depois das grades, entre os gatos assustados.

Durante duas horas, antes disso, eu fiquei me mexendo sem pensar. No inicio eu estava sentada e olhava as minhas mãos. Elas dançavam uma musica triste, elas tinham dedos demais para saber o que fazer com eles. Elas tem linhas demais. Quantas dessas linhas eu ainda terei de percorrer? Essa era a minha pergunta. Essas minhas mãos, tão antigas, que me são tão ricas. São tão feias as coitadas. Parecem pedaços de pão inchados, boiando na água. Sei lá. Fui rolando até o outro lado da sala, dei cambalhota, balancei furiosamente a minha cabeça, para ver se de lá caiam essas amarguras. Parei. Meu coração batia em todo o meu corpo. Eu sentia. Quis me comunicar. Quis comunicar o meu coração e a forma como ele batia. Olhei novamente as minhas mãos. E elas começaram a pulsar junto à ele, bombeado para o espaço a vida que estava contida dentro da minha pele.

Voltei ao chão em um encontro forte. Talvez eu tenha um hematoma na maçã direita do rosto amanha. Não importa. Acho que o encontrão foi forte demais pois daí em diante meus olhos não quiseram parar de chorar. Não deixei que minha garganta se fechasse. Não permiti que minha respiração de alterasse. Não permiti que meu queixo se enrugasse. Apenas derramei uma porção de lagrimas, como quando se tropeça com uma xícara de café cheia na mão.

Elas molharam o chão. Ficou bonito. depois eu patinei com meus pés descalços e sujos por cima delas. Fiz uma sujeira. Eu realmente não queria que ninguém visse aquilo. Então eu me deitei, e me esfreguei, e fiz com que minha roupa absorvesse tudo aquilo. Porém, não pude parar de chorar. Bom que ninguém percebeu. As pessoas dificilmente percebem quando outra está a chorar.

Eu não paro de pensar em você. eu penso de um jeito estranho, porque não realmente elaboro nada, mas é você quem está ali, bem na minha cara. Eu sinto sua pele encostar na minha. Eu sinto sua mão entre os meus dedos. A minha cama guarda o cheiro do nosso ultimo encontro. Meus olhos ainda estão grudados aos seus.

O meu corpo te deseja tão forte. Tão forte. Tão forte que me faz querer sair correndo à sua busca.

Andando, eu olho em volta pra ver se você está, por acaso, ao meu lado. queria os seus pelos e os seus suores.

É a ponta de uma agulha que me perfura insistentemente. Eu engoli uma pedra. Eu estou cega. Eu não tenho mais nenhum sonho.

Tudo fica incolor.

Tudo se desfaz.

E o chão que antes eu tinha, agora me tem.

Como é possível sentir tamanha dor? Como é possível que meu corpo se sinta assim, desencaixado de si, quando você não está comigo?

Não me pergunto mais o que foi que fizemos, que erros cometemos, aonde chegamos. Também não quero resposta alguma.

Aqui dentro desse silencio infinito, são seus beijos a minha mais doce lembrança e a minha única vida. É em nosso passado que eu moro. É no ar que descansava entre nós.

E agora?

Fico a te procurar entre as linhas secas desse computador, catando os cacos que de ti ficaram, perdidos, debaixo da minha cama. Suas sobras. O que de ti restou aqui. É o que me embala. É lá que eu quero dormir. Essa noite, sono não haverá. Não haverá colo. Teu ombro repousará longe de mim.

E agora? quais são meus passos? Se não me atrevo mais a investir nas nossas ruínas, o que me sobra?

Você, que não tenho, é meu único desejo. Desejo maior que eu, maior que o mundo. Desejo que não passa, que não cansa. Tão urgente. Esse desejo me entala agora e me faz mais e sempre te desejar.

Porque o teu cheiro é o meu lugar. A tua boca é o meu lugar. A tua voz.

Eu te vejo em todos os lugares.

Acho que eu vou morrer de tanto te desejar. De tanto de querer. Cada parte da minha pele sente a sua falta.

E sempre vai.

Sempre vai.

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