28 de setembro de 2008

she said:


Foi um golpe contra a parede, não foi? Tipo o seu bocejo: repentino e engraçado.
Estou furiosa como uma mãe loba enlouquecida. Se ela chegar perto de você eu mato. Eu dou três facadas: uma em cada olho e a ultima no coração. Avise-a. não gosto de covardias.
E depois não tem importância. Eu já ia estar presa mesmo. Presa nesse lugar insalubre, onde eu não queria chegar, onde eu mesma me encasulei. Avise-a: eu a mato.
Eu vou me casar. Estou noiva de você. Você ainda não sabe, mas gostará de me ver de branco, com seu coração pendurado entre os meus seios. Eu sei que vai.
Não se preocupe com nada. Este dia será nosso. Será ele inteiro nosso. Ninguém vai nos perturbar. Vamos comer e beber e fazer amor, até que não agüentemos mais. Até que tenhamos de dormir por uma semana para recuperarmos nossas forças.
Imagine isso: eu estou aqui, em cima de um telhado velho, rasgado, cheio de escorpiões. Em volta não há nada. Nenhuma luz, nem um traçante de bala perdida ou uma estrela cadente. Meus olhos parecem cegos. e faz muito frio.
Você se lembra daquela praia que ventava morno no fim da tarde e nós ficamos deitados na areia até o céu se depositar em camadas sobre nós? Eu me lembro.
Nós nos casamos. Não esqueças disso. E se ela chegar perto de você eu a mato, da forma que eu disse, nem menos nem mais. Eu mato.Eu sou um terreno estéril. Não seria bom que chegasses perto de mim agora. Não. Estou muito seca. Estou muito... muito seca. Nenhum fruto de mim surgiria, eu sei. Estou seca feito terra seca, feito pedra moída, estou seca feito palha. Meu corpo murchou e eu estou feia. Feia feito uma carcaça de vaca, cheia de moscas, sei lá. Você me entendeu. Eu bebi um monte de café e vomitei ele ainda quente. Café, água, coca-cola. Sei lá. O que a gente faz para curar uma ressaca de alma? Fazia tanto tempo que eu não vomitava assim.mal conseguia respirar. O ar que entrava negava meu corpo. Eu negava meu corpo. Meus seios murcharam. Sou uma velha de 70 anos. Eu não amo mais a natureza. Eu não amo mais a água gelada da cachoeira. Eu não vou meditar e me livrar dos sentimentos ruins, do karma da inveja, da depressão, do silencio. Eu vou morrer neles. Eu vou morrer como um gato morre entre os restos de veneno para rato. Vou defecar, e vomitar, vou suar, gritar, e vou morrer. O mundo nunca mais vai ouvir a minha voz, graças a deus. Minha voz nunca cantou. Tive vergonha. Ela teve vergonha, sempre foi feia. Mas gritar eu posso. Eu vou gritar até sangrar minha garganta e eu sentir pena de mim mesma. Ninguém vai ver. Não quero ninguém por perto. Eu vou pra longe e aí sim tudo isso pode florescer. Espero que meu corpo vire ao menos adubo para um amor inacabado. Sei lá. Ou comida de cachorro de beira de estrada. Mas não deixe que me enterrem. Eu te pedi isso uma vez, não quero cemitérios. Quero uma arvore só. Se não puder, se não houver arvore, deixe-me em qualquer canto. Não importa. Mas não deixe que me velem como uma jovem de morte prematura. Não suportaria enganar as pessoas ainda na morte. Diga assim: foi a idade. Uma senhora já estéril, não daria mais pra nada mesmo. Sou uma senhora de 70 anos de seios murchos e útero e alma estéreis. Não deixe que ninguém se engane. Não deixe que ninguém lamente. É só palha seca. Lembre-se. E ainda assim, casada. Morri casada. De aliança e tudo. De branco. CASADA. Tive um par. Tive alguém que de mim precisava. Que em mim queria viver. CASADA. Mas agora morta. A morte veio e levou a velha, a velha casada. Ponto. Final

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