23 de fevereiro de 2011


Abro aqui e tudo fica branco dentro da cabeça. Computador, folha de papel, internet. O facebook me disse que as pessoas andam felizes. O cara do Egito colocou o nome da filha de facebook porque a ferramenta ajudou nos levantes populares contra a tal ditadura. O povo leu lá, disse também, saiu nas ruas. O cara depôs.  E ahora, esse negocia na Líbia. Tudo se mexendo lá pras bandas das áfricas. Você dirá que a Libia fica na áfrica?
O capitalismo mundial integrado alimenta a terceromundização,  o que consiste basicamente em deixar moleques trabalhando manualmente em uma só coisa e ganhando só o almoço, eu acho. Queria que esses moleques tivessem facebook. Perguntar, e aí, como tá. E ele, tá foda aqui ser terceirizado dessa empresa, ninguém liga pra minha obra de artes que é a etiqueta do seu vestido. E você é feliz? Existe alguma relação entre escravidão e felicidade? E eu não posso inventar o que ele me dirá.
Talvez felicidade tenha a ver com arroz integral e meditação. Talvez felicidade tenha a ver com dançar todos os órgãos. Talvez não. Mas eu acho que sim.
Minhas asas de dragão estão nascendo. Vou me tornando mais e mais o que tenho medo. Um dragão escamoso, brando, do tamanho de uma baleia azul. Voando tão leve quanto uma baleia azul nada. Só que nos ares. Tipo uma arraia. O dragão vai buscar  o moleque, o dragão vai colocar o moleque nas costas e levar para o outro lado do mundo. Largar o moleque no empire estates. Da china a America. Enquanto isso, na viagem, dançaremos nossos órgãos.
Ninguém mais vai me achar bonita, todos terão medo de mim, ou nojo, ou qualquer coisa assim.  E eu nem posso dizer que não importa, é legal ser  uma diva, a mulher da sua vida. Avon. Mas é isso.  De algumas coisas a escolha já está tomada pela sua capacidade ética.

15 de fevereiro de 2011


Alegoria dançante, de vestido vermelho, do caos. O homem dança ao centro.  Em volta dele o mundo em redemoinho. O vestido vermelho que o homem usa , roda.
Quando fechamos os olhos na rua, dentro reverbera o som do lá fora. De tudo reverbera dentro. O caos dos sons fazendo o redemoinho girar. O homem ao centro chora e ri, e ri e chora.
Cada ação, cada pensamento, cada queda – um som. Um passado e uma intenção – um som.
Caiu-me por terra todo o sagrado. Só vejo homens por toda a parte. Homens que almoçam, que fumam, que andam. Todos em busca de seus sagrados, de suas caixinhas de esperança, dos seus não seres ainda por ser. Eles suam, as vezes bebem, as vezes cantam. As vezes eles riem e eles choram e choram e riem. Mas só as vezes.
Eu faço o que faço porque eu preciso me libertar disso tudo. E eu sou exatamente isso tudo.
Eu faço o que faço pois preciso me libertar de mim, e sei que o mundo também precisa se libertar de si mesmo.

8 de fevereiro de 2011

paisagem



Eu voei para um país distante. Muitos quilômetros por terra, muitos quilômetros por mar, um infinidade de gotas d água escorrendo da testa para o buço. Floresta infinita, tropical, bananeiras e macacos. Um útero povoado. Vamos nascer. O céu aqui em volta, silencioso.  Um som chocalhado, na dança deles.  Diria mágico. Intarritorializável.  

6 de fevereiro de 2011


Eu ainda quero que você coagule. Quero que coagule, descasque, escorra, saia.  

sem orgãos


0.       Experimentar viver nas intensidades.
Essas texturas que esfregam o corpo todo, e dentro do corpo também, como se o corpo estivesse aberto em dois, cortado ao meio.
O dia passa como ondas de calor, odor, luminosidade, junto com as imagens, os pensamentos, raciocínios-imagens, não sei como chamar. Olho a rua e ela própria se move. Meu corpo se move, eu perco o equilíbrio. Do lado dos olhos, os movimentos e cores se acumulam, se esmagam com os sons. Ouço bem forte um apito: um apagão. Estou cego por um micro tempo. Vem-me um pensamento pesado que me assusta: eu ouço o som do pensamento.

1.       Aurora da alma
Pés lisos deslizam pelo chão de pedra polida. Uma camada muito fina de qualquer coisa como um gelo. O frio na sola dos pés irradia por dentro dos ossos. O gelo é meu, sou eu quem faz o gelo.
Lá no alto passam gaivotas que deslizam assim como eu, no céu.  O vento alisa tudo, escorre no infinito das eternas superfícies.  Meu corpo é a superfície do mundo.
Eu estou no meio desse lago congelado, e tudo que eu conheço como antes ou depois está na borda do lago e não pode entrar. Meu coração pulsa nas profundezas do lago, e tudo  vibra sutilmente, com o mesmo passo.
Respiro.
Aqui eu sou quem quer que seja. Sou fluxo de identidades; não há problema.
Paro no pêlo do gato eriçado. Paro na quina quebrada da rua. Paro no som das vozes do burburinho. Eles que  falam. 
Aqui de dentro, minha paisagem se expande. Sonho que ela destrói tudo que à minha volta cresceu, sem eu permitir.  A maior dádiva é a ter a lucidez necessária para escolher como  morrer, nesses infinitos segundos de morte.
Eu morro. Eu torço para que tudo em mim morra. Eu torço para que tudo se cale. Desapareça num breu sem igual. A baleia azul de açúcar. A baleia azul de massa para molde dos dentes. A baleia azul de gelo derrete. A cadeira de gelo derrete. O coração de gelo derrete. Tudo silencia. Acabou. Caio no chão com dramaticidade. A musica para no meio, no pré coito. Caio com dramaticidade. Meus dedos se esticam em direção ao marido, que me observa com espanto. Eu sorrio.
É tudo uma grande brincadeira. Levanto-me. Sento-me na cadeira de madeira. Todo um café delicioso. O sol se estica na rua da tarde infinita.
Esse fluxo não vai parar. Não vai parar.