antigamente eu achava que a fome no mundo era, em grande parte, causada pela enorme quantidade de oferendas de comida que são feitas nas encruzilhadas para deuses pagãos. eu pensava - alimente homens e nao deuses, como slogan pessoal.
alimente homens e nao deuses continua sendo uma boa ética, mas nao por esse motivo.
quais deuses alimentamos?
27 de março de 2011
26 de março de 2011
Barbatana de baleia
Não posso precisar o que é. É um movimento que faz meu estomago frio. Que tira a fome, como se eu estivesse doente. E um medo. Um medo do tamanho do mundo, apertado todo dentro do meu corpo; eu exalo isso, eu cuspo isso, eu estou contaminada, e você vê.
Medo de sentir falta, medo de sentir presença pois depois virá a falta. Medo do quão oscilante é essa superfície de apoio: palavras, gestos e olhares. Como pode? É suicídio! E tem gente que faz isso! Que vive assim! Como pode? É suicídio! Eu mesma vivia assim!
Eu não sei dizer se é bom. Não é questinável, não é essa a questão. É dor de crescimento, de prazer. Dor de prazer de encontrar olhos. Dor de medo do prazer. Vicioso.
Todo apaixonamento deve começar assim. Doendo. E terminar também.
25 de março de 2011
pra lá
Tem um morro na frente da minha casa, depois de todas as casas que tem na frente dela. Atrás das casas, em algum lugar que eu não saberia dizer, até hoje, o quão distante está, estava o grande morro. Quase todo careca, uma pedra marrom escuro acizentada, chorona, e chegando ao topo, as fendas preenchidas com muito verde.
E me lembro de um dia ter olhado bem o morro, da janela da sala. Estava chovendo fino, e eu fiquei imaginando – com uma imaginação que me permitia sentir cheiros, toques e destinos dos lugares e das cosias – me imaginando lá em cima, sozinha.
Da janela da sala,o morro também me mirava, eu acho, e também me queria, tanto quando eu a ele. Só podia. Era uma força de atração que eu quase podia tocar. Porque o morro, na verdade, era o maior território seguro de dentro da minha cabeça. O resto estava sitiado por coisas mais agressivas, como uma ganância que eu nunca conheci igual pelas figurinhas dos álbuns que eu colecionava, ou as minhas duvidas sobre o pertencimento das roupas e penteados que eu usava na moda infanto-juvenil do meu bairro, ou até se eu tinha realmente amigos. Tudo falava muito alto durante todas as horas e os dias que se passavam, agora embaçados, pela minha infância. Mas o morro não, ele era calado. Ficava ali, como um mundo inteiro, plantado no chão, seguro, pronto para me segurar se eu cambaleasse. E esse silencio era mais como uma vibração pré-sonora do que como um vácuo. E o morro, mais como uma casa do que como uma pedra.
Ali, ele era o sitio que tanto gostava de ir nas férias, era também todos os enormes campos que os anões que existiam na idade media tinham que cruzar para encontrar um tesouro ou uma erva medicinal. Era o jardim secreto, para a menina que vinha órfã da índia, com canções de bolso que a serviam de consolo. Ele era a materialização de um dia chuvoso e tranquilo, quando eu podia deixar meu olhar se perder no entre das coisas, onde a chuva caia. Meu mais perfeito bem estar. Ninguém está lá. Ninguém nunca vai estar lá. Ninguém nunca esteve lá. O meu lugar inaugural no mundo. Minha poesia em formato de pedra.
Hoje, depois de muito tempo, eu olhei novamente na cara do morro. Ele me olhou de volta. Continuo não sabendo o que se passa em sua superfície. Continua a ser meu mistério pessoal. Lembrei do dia em que eu armei minha fuga para ele; quando eu coloquei uma banana, uma corda e uma muda de roupa na mochila, abri a porta de casa, determinada, e me seguraram pelo pescoço perguntando aonde eu ia. Obvio que não respondi, como eu ia responder: estou fugindo para o morro. Essa casa fala alto demais. Eu disse que estava indo brincar na praça, e voltei desconsolada pro meu quarto. E do quarto fiquei olhando o morro, da janela.
Hoje eu quis fugir outra vez. Quis colocar uma banana, uma corda e uma muda de roupas na mochila e seguir em frente até o topo, sentar, ficar em silencio. Deixar a chuva cair, lavar, e esquecer para sempre que existe mundo, que existe palavra, que existe perigo. Entre os prédios, agora ainda maiores, eu vejo seus recortes me emitindo sua tranquilidade. Meu campo verde da ideia média me manda um abraço entre os recortes de cimento. De dá um carinho silencioso entre toda essa zona que a gente faz.
Talvez essa noite eu fuja pra lá.
E me lembro de um dia ter olhado bem o morro, da janela da sala. Estava chovendo fino, e eu fiquei imaginando – com uma imaginação que me permitia sentir cheiros, toques e destinos dos lugares e das cosias – me imaginando lá em cima, sozinha.
Da janela da sala,o morro também me mirava, eu acho, e também me queria, tanto quando eu a ele. Só podia. Era uma força de atração que eu quase podia tocar. Porque o morro, na verdade, era o maior território seguro de dentro da minha cabeça. O resto estava sitiado por coisas mais agressivas, como uma ganância que eu nunca conheci igual pelas figurinhas dos álbuns que eu colecionava, ou as minhas duvidas sobre o pertencimento das roupas e penteados que eu usava na moda infanto-juvenil do meu bairro, ou até se eu tinha realmente amigos. Tudo falava muito alto durante todas as horas e os dias que se passavam, agora embaçados, pela minha infância. Mas o morro não, ele era calado. Ficava ali, como um mundo inteiro, plantado no chão, seguro, pronto para me segurar se eu cambaleasse. E esse silencio era mais como uma vibração pré-sonora do que como um vácuo. E o morro, mais como uma casa do que como uma pedra.
Ali, ele era o sitio que tanto gostava de ir nas férias, era também todos os enormes campos que os anões que existiam na idade media tinham que cruzar para encontrar um tesouro ou uma erva medicinal. Era o jardim secreto, para a menina que vinha órfã da índia, com canções de bolso que a serviam de consolo. Ele era a materialização de um dia chuvoso e tranquilo, quando eu podia deixar meu olhar se perder no entre das coisas, onde a chuva caia. Meu mais perfeito bem estar. Ninguém está lá. Ninguém nunca vai estar lá. Ninguém nunca esteve lá. O meu lugar inaugural no mundo. Minha poesia em formato de pedra.
Hoje, depois de muito tempo, eu olhei novamente na cara do morro. Ele me olhou de volta. Continuo não sabendo o que se passa em sua superfície. Continua a ser meu mistério pessoal. Lembrei do dia em que eu armei minha fuga para ele; quando eu coloquei uma banana, uma corda e uma muda de roupa na mochila, abri a porta de casa, determinada, e me seguraram pelo pescoço perguntando aonde eu ia. Obvio que não respondi, como eu ia responder: estou fugindo para o morro. Essa casa fala alto demais. Eu disse que estava indo brincar na praça, e voltei desconsolada pro meu quarto. E do quarto fiquei olhando o morro, da janela.
Hoje eu quis fugir outra vez. Quis colocar uma banana, uma corda e uma muda de roupas na mochila e seguir em frente até o topo, sentar, ficar em silencio. Deixar a chuva cair, lavar, e esquecer para sempre que existe mundo, que existe palavra, que existe perigo. Entre os prédios, agora ainda maiores, eu vejo seus recortes me emitindo sua tranquilidade. Meu campo verde da ideia média me manda um abraço entre os recortes de cimento. De dá um carinho silencioso entre toda essa zona que a gente faz.
Talvez essa noite eu fuja pra lá.
14 de março de 2011
ideia de carne e palavra de brisa
- Por quanto tempo esteve lá?
- não sei.
- e o que viu?
- não vi nada.
- e onde estava?
- aqui em baixo.
Vemos a grama crescendo por trás. As vezes metade da minha cabeça está para fora. A terra chega a entrar nos olhos, a parte superficial dela, aquela poeira seca. Minha boca coça com a raiz da grama crescendo. Meus olhos ficam vermelhos por causa de toda a luz. E meu nariz está quase todo tampado por tanta terra que ele aspira, ficando ali tão próximo ao chão. Debaixo da terra, meu pulmão expande e encolhe vagarosamente.
Um infinito para todos os lados na altura dos olhos. Envolta de mim um humor negro se espalha pelo plano seco. É a minha angustia que se espalha, sendo então, espero eu, redimida pelos veios da terra, que o enxuga até seu centro motor, de onda nascem todas as coisas vivas.
O petróleo queimando a minha liberdade. Mais forte, mais longe, mais fogo! O caldo queimado escorrendo de mim por todos os orifícios. E eu o quero mais que tudo.
As raízes estão envolvendo o meu tórax, e agora eu respiro por elas. As raízes estão perfurando o meu tórax. Agora elas respiram por mim. Elas sobem por dentro da minha garganta, em rodopios art nouveau, enchem as minhas bochechas e eu abro a boca o maior possível, para saudá-las ao sol dessas longas horas. Assim fico para sempre. Sou uma frondosa árvores-raiz ex humana. Decidi virar planta, e me relacionar com a minha ecologia através do crescimento das minhas raízes. Que já engoliram muitos outros. Que serão mais muitos.
Uma raiz é livre, pois não carrega os traumas de um sujeito algo. A arvore jovem, quando sofre uma deformação, passa a vida a crescer na a direção de reparar a antiga forma. Um sujeito algo é aquilo que guarda no seu DNA o rancor do que não aconteceu. A deformação presente do que não está presente. São coisas que obedecem à um assobio inaudível, vindo de trás dos tempos mais remotos, que os impelem diretamente ao mundo da ordem imaginaria. A arvores imagina o bastão que a castrou, e presentifica o bastão quando nasce torta, todos os dias. A raiz cresce em volta do bastão, o toma por completo, e com os anos, o bastão cede e abre o seu corpo poroso para a existência desse vegetal fértil.
Eu estou perdendo tudo isso. Não tenho mais uma sala para armazenamentos. Nossas raízes crescem por todos os lados, e tudo que foram não é nada além de um combustível de queima total para o que são agora. Nesse momento. Estou correndo entre as camadas das ilusões. Perfurando as constelações dos meus sofrimentos, vendo-os, com espanto de quem se vê de repente absolutamente perdido, rir, rir, rir, até chorara de alegria.
12 de março de 2011
Você parece uma musica. Toda uma atmosfera que se aproxima de mim e me acalma. Você me lembra um bom dia. Uma eterna paisagem de montanhas. É bom deslizar na superfície das coisas, boiar nas intensidades das cores, do vento, de tudo isso que parecia estar escondido do mundo até você chegar. E tomar o mundo deles, pedir para que parassem, para que não fizessem tanto barulho. Baixinho, deslizando os dedos pelo meu rosto devagar, cantou o meu nome ancestral. E eu me reconheci ali, plena, como um deserto completamente morto.
Falando comigo pelos olhos, eu queria dizer pra você que tudo isso só era possível, todo esse bem, só era possível porque você fez o fluxo do vento e das terras passar bem pelo meio do meu peito. E o meu corpo inteiro respirou pelo coração, e eu pude sentir tocar a minha pele o sangue doce do mundo.
Insetos coloridos voavam em volta das lâmpadas. Antes deste momento, eu não podia apenas continuar. Ali era o limite dos meus sonhos. Caldo, algodão, coisas suaves deslizantes, essas caricias do universo, nada disso havia. As coisas de pedra, cimento e plástico são agudas e afiadas, seguem sempre cortando nossos corpos, veja nossas cicatrizes.
Podemos ser assim para sempre. Sermos o sorriso de deus. De todos os deuses em um banquete sob a lua. O som de todos os rios correndo juntos. A baleia azul quase imóvel pulsando sob a reta do infinito azul.
Falando comigo pelos olhos, eu queria dizer pra você que tudo isso só era possível, todo esse bem, só era possível porque você fez o fluxo do vento e das terras passar bem pelo meio do meu peito. E o meu corpo inteiro respirou pelo coração, e eu pude sentir tocar a minha pele o sangue doce do mundo.
Insetos coloridos voavam em volta das lâmpadas. Antes deste momento, eu não podia apenas continuar. Ali era o limite dos meus sonhos. Caldo, algodão, coisas suaves deslizantes, essas caricias do universo, nada disso havia. As coisas de pedra, cimento e plástico são agudas e afiadas, seguem sempre cortando nossos corpos, veja nossas cicatrizes.
Podemos ser assim para sempre. Sermos o sorriso de deus. De todos os deuses em um banquete sob a lua. O som de todos os rios correndo juntos. A baleia azul quase imóvel pulsando sob a reta do infinito azul.
Assinar:
Postagens (Atom)