14 de março de 2011

ideia de carne e palavra de brisa


- Por quanto tempo esteve lá?
- não sei.
- e o que viu?
- não vi nada.
- e onde estava?
-                              aqui em baixo.

Vemos a grama crescendo por trás. As vezes metade da minha cabeça está para fora. A terra chega a entrar nos olhos, a parte superficial  dela, aquela poeira seca. Minha boca coça com a raiz da grama crescendo. Meus olhos ficam vermelhos por causa de toda a luz. E meu nariz está quase todo tampado por tanta terra que ele aspira, ficando ali tão próximo ao chão. Debaixo da terra, meu pulmão expande e encolhe vagarosamente.
Um infinito para todos os lados na altura dos olhos.  Envolta de mim um humor negro se espalha pelo plano seco.  É a minha angustia que se espalha, sendo então, espero eu, redimida pelos veios da terra, que o enxuga até seu centro motor, de onda nascem todas as coisas vivas.
O petróleo queimando a minha liberdade. Mais forte, mais longe, mais fogo! O caldo queimado escorrendo de mim por todos os orifícios. E eu o quero mais que tudo.
As raízes estão envolvendo o meu tórax, e agora eu respiro por elas. As raízes estão perfurando o meu tórax. Agora elas respiram por mim. Elas sobem por dentro da minha garganta,  em rodopios art nouveau, enchem as minhas bochechas e eu abro a boca o maior possível, para saudá-las ao sol dessas longas horas. Assim fico para sempre. Sou uma frondosa árvores-raiz ex humana. Decidi virar planta, e me relacionar com a minha ecologia através do crescimento das minhas raízes. Que já engoliram muitos outros. Que serão mais muitos.
Uma raiz é livre, pois não carrega os traumas de um sujeito algo. A arvore jovem, quando sofre uma deformação, passa a vida a crescer na a direção de reparar a antiga forma. Um sujeito algo é aquilo que guarda no seu DNA o rancor do que não aconteceu. A deformação presente do que não está presente. São coisas que obedecem à um assobio inaudível, vindo de trás dos tempos mais remotos, que os impelem diretamente ao mundo da ordem imaginaria. A arvores imagina o bastão que a castrou, e presentifica o bastão quando nasce torta, todos os dias. A raiz cresce em volta do bastão, o toma por completo, e com os anos, o bastão cede e abre o seu corpo poroso para a existência desse vegetal fértil.
Eu estou perdendo tudo isso. Não tenho mais uma sala para armazenamentos. Nossas raízes crescem por todos os lados, e tudo que foram não é nada além de um combustível de queima total para o que são agora. Nesse momento.  Estou correndo entre as camadas das ilusões. Perfurando as constelações dos meus sofrimentos, vendo-os,  com espanto de quem se vê de repente absolutamente perdido, rir, rir, rir, até chorara de alegria.

   

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