12 de junho de 2007

Why not?!

Experimentação Desmotivada n°541

Estar sem você é como segurar a respiração.

Você sabe que uma hora não vai agüentar mais. E tudo que você pensa é em subir a superfície e em como as moléculas de oxigênio estão sendo consumidas a cada fração de segundo pelo seu corpo que você tenta manter imóvel para que o oxigênio dure mais, mas acaba se mexendo bastante porque a agonia de não respirar é muito grande para ficar presa só na mente e então acaba se espalhando pro resto do corpo. Quando se segura a respiração a única coisa importante é respirar de novo, o resto desaparece. Só há a certeza da vida, e a ironia dessa verdade, o desconforto.

Daqui de cima da indiferença até parece uma situação engraçada. Dá pra todas as pessoas segurando a respiração. E se debatendo. Torcendo pra acabar logo. A humanidade é um corpo com falta de oxigênio, ciente de sua inevitável morte, desesperado e irônico, com espasmos inconseqüentes.

9 de junho de 2007

Tchau...

Do meu peito, selei a fonte.

Os cacos mofam debaixo do tapete. O desgosto falou mais alto. Pariu-me o mundo: eu,um ser oco.

O espetáculo chegou ao fim. Sou um teatro vazio.

É lá possível compreender um deus assim?!

Esse deus não passa de um monte de dor.

Desde já, então, peço: liberte-me.

O meu amor eu já dei todo. Nos braços do horizonte eu me despeço das ilusões estraçalhadas. Um braço caído para cada lado.

E não me detenho mais às mentiras. Meu orgulho já se foi nos braços de outro.

Digo: esse não era o meu sonho. Mas fazer o que?! Está feito. E morto.

13 de maio de 2007

O Resto da minha Vida

Ela deve deixar a casa; ela vai se sentir sozinha.

Deve pegar essa estrada longa, e os passarinhos a vão seguir pra sempre. Ela tem medo. Ela tem muitas vozes dentro de si. Ela logo vai cansar. Logo ela vai aprender a perdoar a morte, a solidão e a preguiça. Logo ela vai se libertar do ócio. O céu a vai acompanhar sempre. Ela vai se deitar em qualquer lugar, debaixo das nuvens brancas e do sol fraco. Ela vai se unir aos forasteiros com violas e tabaco e vai ensiná-los a amar. Vai receber agrados dos ventos, vai ser portadora dos segredos das pedras e das arvores milenares. Ela vai comer a terra e as folhas, vai mergulhar no rio claro, vai abraçar águas revoltas.

Ela vai se esquecer de usar talheres, vai comer com as mãos. Vai esquecer os dias, as horas, e todos os vícios do tempo. Ela vai se esquecer do terror, e fazer o mundo nunca mais sentir dor. Ela vai cantar na língua dos lobos. Vai se apaixonar por uma margarida. Vai molhar os pés à noite, sentir o frio nos ossos e por isso rir. Todas as iras serão cócegas. Todas as chuvas serão sagradas. Ela vai florescer.

Ela vai se tornar um deus, todas as coisas, todo o amor.

Ela quer levar você com ela. Quer te cantar uma musica e dormir nos seus braços. Ela quer beijar os seus dedos, olhar nos seus olhos, cheiras seu cabelo.

Ela deve deixar a casa. Ela deve andar por uma estrada. Ela quer te dar a mão.

7 de março de 2007

3:10 am

Silêncio.

Uma longa estrada em penumbra que uma curva misteriosa encerra. O que vem depois?

Silêncio.

O espaço se detém por todos os lados. Em toda parte é espaço e mais nada. Quantos passos existem entre esta estrada e o céu? Há no céu também uma estrada? Será, esta estrada, o único céu?

Eco. Eco... Silêncio.

6 de fevereiro de 2007

Um parágrafo ruim e só.

Sei que naquela tarde, o garoto sorriu assim, despretensiosamente. Um buraco em algum lugar do mundo o chamou a atenção e ele olhou fundo nos olhos do horizonte cinza, por trás das colinas queimadas. Estava muito cansado. Havia esperado tempo demais e agora seus músculos se desfaziam. Alguém, talvez ele mesmo, talvez uma outra parte amputada dele, gritava socorro. Estava ela de pé, em frente a esse imenso buraco sem fim, mirando o negro nada. Ele não correria para salvá-la. Ele ficaria ali, sentado, examinando as linhas de sua mão esquerda. E essa idéia se mostrou extremamente engraçada.

4 de janeiro de 2007

sistema nervoso central

“Posto de gasolina que brilha no fim da estrada em contraste com o céu negro azulado, banhado pela brisa fresca da noite sem dono da grande cidade bolha em que você está agora. Corra. Cigarro queimado até o filtro com cheiro de revolver recém disparado com lama de pólvora nos pés e tênis mal amarrado. Corra. Gasolina desperdiçada nos tanques dos carros que não vão a lugar nenhum que não aos seus próprios corações despedaçados. Amigos de mentira que servem para te falarem sobre as possibilidades falsas do próximo ano imutável. Corra. Balas de leite grudadas no ultimo dente, estomago fermentado e mãos fedidas enfiadas nos bolsos cheios de nada. Folha viva que cai do topo da arvore enegrecida pela fuligem que arde bem nas suas narinas. Corra. Ardor de peito, de mente. Corte profundo na palma da sua mão e então um destino incerto. Crucificação globalizada e ritmada a cada dia. Corra. Banheiros públicos tem cheiro da alma humana. Corra. Asfalto quente, sol a pino, maresia e ferrugem numa praia cheia de corujas cegas que voam desesperadamente para o horizonte de seus sonhos. Corra.”

Era assim que ele pensava enquanto dava seus passos lentos em direção a escola cinzenta as sete da manha de qualquer dia da semana. Estava frio o suficiente para usar casacos. Ele adora casacos. São entes quentes em um lugar de mãos e olhos frios. Nem Ana poderia aquecê-lo agora, mas os casacos eram bons.

Naquela parte da rua o sol era sempre poente, mesmo quando nascia.

-“corra”- ele pensava.- “corra, já”

2 de janeiro de 2007

O Remetente Desconhecido

Ele preferiu não assinar. A carta em si já era uma assinatura de muitos nomes. Apenas ele mesmo escreveria à Ana daquela forma, ele sabia disso.

Colocou o ultimo ponto. Papel de pontas amassadas, letras confusas, frases sem ponto, falta de data. Uma carta escrita para Ana! E tão diferente desses telegramas importantes, mas ainda assim uma carta para Ana! Que ótimo!

O garoto levantou da pequena cadeira de madeira que o colocava confortavelmente sentado junto à mesa. Suas longas pernas haviam ficado esmagadas debaixo da mesa durante todo o seu longo tempo de escrita, e agora os joelhos estalariam em agradecimento pela nova posição em que foram colocados. A mesa ocupava metade do espaço disponível no cômodo da casa que o sujeito que a vendera intitulara “sala de jantar-cozinha”. O teto era baixo, o que parecia manter o ar do lugar sempre quente, como em um ninho. Apesar disso, definitivamente, aquilo não era um ninho. Pelo menos para ele, aquilo não era um ninho.

Estalando as costas e os dedos o garoto alongou o olhar para a garrafa de vinho sobre a pia que abençoava a parede do outro extremo do cômodo com um incrível ar envelhecido. Sobre a pia, estendia-se uma janela de madeira pouco talhada e torta. Do lado de fora estava todo o resto do mundo, emoldurado pelas irregularidades da janela da casa velha.

- é isso.- pensou- a carta está pronta.

Anoitecia lá fora e o vento que limpa o deserto dele mesmo já trabalhava.

- isso tudo é muito lindo, não é mesmo?!- falou para as paredes, entre dentes, em um sorriso cerrado. Aquele era um de seus momentos, talvez o mais lindo de toda a sua vida. Naquele coração jovem e pesado, como em todos os outros, o mundo explodia. E então era fácil sorrir.tao facil sorrir naquele momento. Mas, Ana... Ora... Ana não sorria mais! O que faltava a Ana para sorrir? Ele queria tanto que Ana sorrisse. Ele queria tanto abraçar Ana. Mas Ana não estava lá. E não adiantava o que fizesse, Ana não estaria lá. Talvez Ana nunca fosse estar.

Arrancou a rolha com os dentes. Cuspiu na pia e limpou os lábios com a manga da camisa. O primeiro gole foi seco e amargo, como sempre. O primeiro gole de qualquer coisa sempre se mostra seco e amargo, como o primeiro suspiro no mundo, quando seus pulmoes se desgrudam e você berra com sua boca sem dentes e aperta ainda mais seus olhos de recem-nascido .
Logo o vinho escorria pela garganta arranhada de cigarro e de gritos da noite passada.

Pegou novamente a carta nas mãos. Olhava com tanta atenção para aquelas palavras que parecia querer criar algum tipo de telepatia. – Nossa.- pensou- O que faço eu por Ana!

Ele havia passado a noite procurando por Ana. Suas gargalhadas doces o mostraram o caminho, longo e tortuoso, sem fim. Os galhos cortaram seu rosto e seu peito, desenhando a pele com filetes de sangue seco, o que criou um certo alarde na cidade durante o caminho de volta pra casa. Mas apesar da dor fina ele não desistiu. Correu como não corria há anos, fechou os olhos e se foi entre os galho secos e as folhas mortas aos montes sob os pés descalços. Deixou sua alma correr para Ana, e sorriu tão largamente que parecia traduzir a gratidão do mundo por si mesmo apenas no espaço que ocupava a sua boca. Gritou por Ana tanto, sorriu por Ana tanto e descreveu atenciosamente como o céu estava naquela noite. E debaixo da lua enorme, ele adormeceu. Dormiu enquanto falava com Ana, e respirava o ar gelado e úmido. O fato de Ana não ter aparecido durante toda noite, e não o ter abraçado, e não o ter tocado, não o incomodou.

Acordou como sol que brilhava timidamente encoberto pelas nuvens do outono bem em cima da sua cabeça. Lavou os pés no rio que corria alí, perto da ruina de seus sonhos. Quando amanhecia Ana parava de gargalhar e desaparecia na chamada "memoria falha da noite passada". Mesmo assim, ele queria Ana, de todas as formas, mesmo não existindo.

Mas agora, agora, Ana não estava lá, e depois que a noite se deitou completamente sobre a cidade isso começou a pesar.