encontrou um pedaço de bomba de efeito moral
na calçada da rua do passeio
guardou na bolsa
e leva consigo até hoje
como patuá
protetor dos verdadeiros amantes
11 de outubro de 2013
8 de outubro de 2013
antiqua
A escrita tem o tempo urgente. Precipitação instantânea desse
orvalho mental, amorfo, denso. E eu acredito que ela pode me salvar. A linguagem
pode me salvar. Por isso escrevo. E sempre que escrevo preciso definir seu
motivo, seu destino, sua função. E ultimamente tenho gana de rimar, a coisa que
acho mais brega. é convivência. Tenho muito medo do costume porque minha alma é
naturalmente obediente. Se as hastes não me agradam eu fico é triste e só. Invejo
os olhos rebeldes, os espíritos atenciosos, denunciativos. E no entanto, me envolvo
sempre com o indizível e o que me faz ainda mais plasma. Porque dizer é o que
dá o contorno e ei já nasci borrada, amo a borra, gosto do incompletamente
dessignificado, antes, o pré, o tal orvalho.
Ontem havia um homem. Não quero descrevê-lo. Havia ele na minha
frente como uma promessa de uma vida paralela, cheia de sentido só pra mim. Ontem
havia um homem. Hoje a casa é habitada por fantasmas femininos. Mas como fui
tola em não perceber que atrás de um pai sempre existe uma mãe deprimida.
E no meio de tudo isso eu me lastimo da minha indefinição. Houve
um instante em que eu fui menina, de rosa, de fralda, querendo aquele
entre-pernas cabeludo. Já está realizado, pronto, em quase cada cama que me
deito. Que susto dizer isso. Mas o pai já se foi, restam os estudos financeiros
para comprar um computador, para comprar aquele livro que desvendará o sentido.
Que mal que é esse dia em que me confronto com minha forma. Tomo
5 banhos, fazendo escorrer uma graxa, na esperança de que ela me revele a
estampa que é minha finalmente e eu não sabia.
Mas minha pele cisma em se esfarelar.
É uma tremenda falta de assunto. É uma tremenda falta. De assunto. Falar de
pele e de pai. como se essa. Fosse a única. (e é). Linguagem possível. Para um
ser humano como eu.
Eu me lembro de ter saído de uma enfermaria. Eu fui parar lá
porque tinha mergulhado num poço de águas muito escuras, um poço escuro, cheio
de folhas mortas das arvores que cobriam esse poço. E eu me lembro que a água era
gelada e, quando eu mergulhava, eu tinha memórias muito intensas, de uma cidade
que eu nunca vi, de uma menina de camisolas que eu nunca vi, de uma tarde se
pondo no tapete da sala da minha casa, de uma estrada beira-mar, coisas desse
tipo. Pois depois que eu mergulhei e lá fiquei, porque pensei demais nas lembranças,
tanto que não consegui me concentrar em nadar e respirar. E quando eu pensei
que eu já tinha morrido, lá embaixo do poço, misturada na sedimentação das
folhas dessas árvores de cima, aí me pegaram de lá debaixo. E quando eu voltei
pro chão – espalmei minhas costas naquela pedra molhada cheia de terra – e olhei
pro céu, eu percebi que eu não podia mais sorrir, e que alguma coisa tinha
acontecido que eu não entendia mais as coisas que as pessoas falavam, e parei
de sentir também a direção da vida dentro de mim – o que se chamamos de desejo.
Foi então que eu fui parar na enfermaria.
E la na enfermaria aconteceu aquilo tudo – das horas, das
roupas, das escolhas sem sentido e de suas importâncias, do sapato amarrado, da
comida, da sequencia. Principalmente da sequencia das coisas, que uma coisa levaria
a outra e que era por isso que eu precisava ficar acordada. Enfim. Um monte de
coisas que hoje eu posso dizer que eu não sei aonde foram parar.
Mas o fato é eu fiquei muito tempo lá de forma que eu acabei
de refazendo – andando mesmo, dando sequencia. Apesar de eu nunca ter esquecido
que muitas, muitas coisas mesmo não tem sequencia e não é por isso que elas não
existem.
E então eu fiz tudo como tinha que ser, mas uma coisa não aconteceu
mais. As lembranças deixaram de vir.
Eu entendo hoje como uma obliteração da
presença íntima. Não é mais possível narrar minha vida como eu antes fazia. E é
aqui que eu queria chegar – que não é mais possivel pra mim narrar a minha
vida.
E o que isso significa, na pratica, é que quando eu não posso
narrar a minha vida, em primeiro lugar, a linguagem esmorece. Eu tento resgatar
e esse é meu caminho narrado. Nessa extrema necessidade e dificuldade.
22 de setembro de 2013
ensaio análise 1
Para escrever preciso de distancia. Como não sei onde estou não
sei me distanciar. Juro que não sou infeliz, e que há muito não sofro como
sofria. Também parece que meus ombros vem se levantando como as montanhas que
crescem sobre as rangeduras das plataas tactonicas terrestres.
Minhas palavras estavam velhas. E agora, quais são essas? São
minhas? De que isso importa?
Muitas coisas me emocionam, eu inclusive choro. Acho isso um
sinal de presença, algo bom para me orgulhar. Eu atriz, eu pessoa, eu fazendo
algo se mover e me permitindo ser movida.
Descobri que existe um ponto no caminho entre eu e eu mesma
que me incomoda profundamente. Na verdade, são trechos. De longe sou feia. E neste
trecho, quanto mais chego perto sou mais feia. Depois deixo de ser feia. Fico familar.
Como aquela pessoa que não sabemos – e que não nos perguntamos mais – como é. Este trecho é agradável. Mais a frente consegui ver melhor meus olhos. Lembrei-me
de tudo que já falaram sobre meus olhos e lembro-me também muito bem dos olhos
dos outros que já olharam os meus. Os olhos da minha mãe, os olhos do meu pai,
os olhos dos outros. São profundos em si
e são profundos no rosto – ficam nos vales da face, quase somem. E de muito perto, encostando testa na testa, o
desconforto cresce. Eu sou meu pior namorado. Não aguento meus devaneios, drs e
impotencias.
Depois de tanto tempo sem escrever eu ainda me pergunto
porque eu tenho sempre de falar de mim. De
mim para mim, nessa perseguição.
13 de agosto de 2013
haikai ocidental
Caiu,
o dia.
Chama noite devagar.
O passarinho aconchegou.
Era uma brisa fresca, de uma estação intermediária no ano.
Que ano?
A varanda é de terra batida. Moitas rodeiam o portão branco
e baixo.
Tem feijão no fogo.
Tem fogueira preparada pra ciranda calada.
A sola do pé ficou até fina de tanto andar descalça. Mudou
de cor.
Cabelo sem peso sobre o pescoço leve.
Tem lua de mel pingando na língua.
Amanha, quem sabe.
O tempo nem pesa.
9 de novembro de 2012
Sou como uma aranha pequena em um banheiro rico.
Todas as superfícies brancas-escorregadias golpeiam o destino. Vejo-me
refletida. Coloca ali as patas finas. Geladas, mudas e refráteis. Tento aquela
e não posso. Me viro, ando. Há mais uma. Tento e não posso. Esqueço-me da
primeira. Me viro e tento-a novamente. Não posso. E assim por diante. Não sei quando terminei pois perdi o
interesse e parei de me olhar.
Em todo o espaço a minha frente há uma enorme pessoa
como eu. ela é o próprio lugar, o ar e toda sua matéria. Parece que não é nada,
mas é um enorme corpo de pessoa gigante. Quando estou olhando o vazio, na
verdade estou olhando para este rosto mudo que me olha de volta. Não temos nada
a dizer um pro outro ainda. Quando olho o vazio espero a palavra deste rosto
mudo como o meu. Compartilhamos todos os momentos de nadas enormes, gigantes
como o corpo. o corpo é gigante pois nele tem que caber todo o nada e todo o
silencio que sustenta pela eternidade. O rosto mudo de nariz gigante colado ao
meu nariz molhado. Respiramos a brisa humana secreta um do outro. Será que ele
guarda meu segredo? Quando será que ele vai abrir a grande boca para me soprar
o destino? Será que ele vai me engolir ao invés disto? Abre a boca, rosto. Quero
ver o que há por dentro do futuro.
texto para figura indefinida
"A realidade entra por debaixo da porta, todo mês" -disse
"A sensação que eu tenho é que eu to olhando para um castelo
enorme. Que todos estão lá dentro e eu perdi a hora da entrada, eu sobrei aqui
fora" - disse.
Estão todos com medo.
Eu também não sei o que fazer.
Estou todos com medo de que não consigamos.
Sensível movimento que espreita internamente o suposto mundo
externo que apavora.
Um labirinto de odores evapora do chão com o sol quente e o
ar é úmido e esconde o futuro
Essas linhas invisíveis que organizam as coisas estão me
deixando louco. Eu não as vejo e quando noto estou fatiada, caída em pedaços,
no chão da cozinha que eu não tive coragem de limpar.
Pia louça pinga ontem pizza troco em moedas sobre a
televisão
Olhos furiosos contra meus dois pequenos peitos sutilmente
descobertos pela fina camada de algodão branco. No ônibus o velho de camiseta
xadrez observa mamilos. Passo e penso como é frio o mundo do verão do Rio de
Janeiro.
Mãos secas seguram o cano amarelo
Uma rústica sustentação do vem e vai do corpo guiado pelos
semáforos vermelhos
O caldo de gordura e cana impregnado nos encontros de
meio-fio com asfalto
Estou de volta aqui, de pernas e braços cruzados sobre o
couro preto dentro do carro que não atravessa o mar de irmãos ensandecidos
Por 20 minutos fiquei à beira do rio-rua me banhando no
monóxido de carbono dos peixes de ferro que fazem a corrente de asfalto liquido
seguir seu rumo devastador á lugar algum
Agora escrevo com os lábios secos do sono que deixei debaixo
de uma cama dura e áspera
O dia passou suave debaixo dos braços levantando os
cotovelos
A pele soltou cheiro grosso.
Houve momentos profundos de silencio quando não conseguíamos
nos olhar
Confusa como sentada no banco pequeno o arroz e feijão e
arroz e feijão feitos com sazon na semana passada. A gema do ovo endureceu e se
desprendeu cruelmente para me certificar de que eu havia passado do ponto.
Minhas costas coçam com o resto da sua porra seca que há
algumas horas escorria na fenda da minha bunda
Molhado
Molhado
A noite de ontem fala em solavancos sutis por trás dos meus
olhos
A memória como barco me sacode
Um pássaro homem bica insensatamente meus lábios que ficam
dormente e então gozam
Busco o silencio que há atrás do muro de eras, nos pequenos
cantos vazios, debaixo das mesas ou quando olhamos qualquer coisa bem de perto
Note como o ar não move e o som suporta fibrosamente o vazio
Dentro do corpo a orquestra sinfônica da ira atiça o
interior do peito. Feixes combinados a ondulações azuis, vermelhas e
amarelas. O joelho deste recém marujo
que lhe fala treme e para andar faz encaixe de gesso com gesso. Range e dói.
Mas por fora há muita gordura.
16 de junho de 2012
Sábado, dia 16 de junho de 2012
Pelas costas do homem, eu, de braços enlaçados no seu corpo
bruto , pensava em não sei o quê. No final do abraço percebi que até então não
tinha percebido o que me acontecia. Estou abraçando meu pai. Este, meu pai,
homem feito que reclama da idade de 53 anos. Universitário. Cansado. Semi-vegetariano.
Há dois meses não o via. Hoje trouxe suas olheiras para o almoço. Disse muitas
vezes que minha estranheza com o mundo é uma constância juvenil por toda
historia da humanidade. Ele mesmo se estranha de não mais estranhar. De alguma
forma a juventude começa sendo, e nunca termina de ser, a principal referencia
de uma vida.
Eu, abraçada no homem, pensando em não sei o quê. Pouco antes
havia tido a mesma epifania. Fumávamos o
cigarro digestivo, tomávamos o café digestivo. Levávamos assuntos pesados para
o momento da digestão. Ele me contava sobre seu ultimo êxito estudantil na
academia. Percebi que era ele. Percebi que
este vivia, que era ele e sempre havia sido. As mesmas mãos, a mesma pele. Por 53
anos viveu e agora conta historias como se fosse a primeira vez. Ele brilha na
insegurança de uma vida já pela metade que vibra como os inícios. É sempre um
inicio. É sempre o que dá. Estamos aí. Estamos tentando.
Com ele nunca percebo que não há muito a ser dito. Ele não me
encerra a ansiedade. Vejo-o. De alguma maneira creio que ele, apesar de estar
sempre aos tropeços, sabe algo de misterioso sobre a vida. Ele não está em paz,
não tem muitas esperanças e muitas vezes fala muito mais do que sabe sobre as
especificidades dos casos científicos. Ele é tão comum que é estranho que não tenha
se extinguido, dissolvido na massa de pessoas do cotidiano. Ele é tão comum que
não sei como vive. E por isso me intriga. Que viva, que tenha vivido por 53
anos, que ainda tropece e ainda mais, que ainda ande e nunca tenha parado de
andar.
Eu nasci de um ser comum que se chama Pedro Henrique. Um homem
marrom, com olheiras, meu pai. Meu e de meu irmão.
Assinar:
Postagens (Atom)