27 de outubro de 2024
velho amigo
Novamente aqui, olá.
Uma carta ao mar, nesses momentos nos quais eu busco encontrar deus dentro de mim e acabo escrevendo sobre meu intestino.
Uma anatomia da melancolia.
Enfim, eu so precisava escrever nesse diario. As redes sociais nos ensinaram a só produzir coisas que podemos mostrar aos outros e hoje lembrei de voce, ANFIGURI, esse lugarzinho esquecido do mundo. Tem 16 anos que te frequento. Nossa relacao é mais velha que muitas amizades humanas. Voce, de alguma forma, é meu amigo.
Me vejo em todos esses anos construindo a mesma paisagem, mesmas palavras, eu era tao assim como sou desde que nasci... e isso me reafirma que nao posso fugir de mim, apesar de tudo. As vezes eu quero muito sabe. Ser outra. Ter outras cores na minha paleta. Mas sei la, fazer o que. eu sou isso aí, Anfiguri. Eu sou essa alma do meu tempo.
6 de junho de 2020
teatro de geladeira
ATÉ A GELADERIA
Muitas vezes, lendo ou ouvindo
ideias interessantes, me acomete uma grande vontade de alinhavar pensamentos. A
maioria dessas vezes eu simplesmente não tenho achado terreno para isso. Tenho
bastante ansiedade ultimamente, que é basicamente como ter dor de cabeça ou
gastrite ou ressaca, na minha geração. Todo mundo sofre de ansiedade como
antigamente, na época dos meus avos, todos deveriam sofrer de dor de dentes.
A ansiedade é imediatamente
transformada em imobilidade física cujo único membro do meu corpo que dela não
participa é o dedo, que desliza o feed de todas as redes sociais na tela do meu
smartphone. É obvio dizer que passo tempo demais olhando de tudo um pouco,
tenho desejos e insights que me abandonam assim que eu passo à próxima imagem.
É um constante abrir a geladeira sem saber o que está procurando. E sem fome.
Quando me dou conta estou na frente
da geladeira, porta aberta, e tudo pra trás e pra frente é um filme desfocado.
O que eu vim fazer aqui? O que eu procuro? Para onde vou? E todas as perguntas
existenciais que couberem nesse tempo constrangedor que me percebo vazia na
frente de uma geladeira cheia.
Para sentar agora e tentar
alinhavar pensamentos eu tomei 5 gostas de Clonazepan. Faço isso
recorrentemente, além do prozac cotidiano. Essas drogas de sedar estados
extremos de desconforto são como um fast food da experiência espiritual do
aqui-agora. É bem mais fácil com elas, um parque de diversões no corpo, mas eu
sei que há funções do meu organismos que elas colocam pra dormir e que talvez
só acordem daqui há alguns anos. Hibernações confortáveis. Uma pergunta com um martelo: o que me sobra se
eu não me entorpeço? O que eu faço com o desconforto? O que ele faz comigo? Pra
onde vamos, eu e ele de mãos dadas, se eu desse a chance dele vir e ficar um
pouco mais de tempo?
Não sei. A angustia me convida a me
retirar de mim apontando a porta do aposento e, com toda a elegância, eu saio.
A questão é – estamos em casa, em
isolamento social. Não trabalho, não recebo, não gasto tanto e o tenho comida. White
people problems, obviamente. Enquanto isso no Salgueiro eu já perdi a conta dos
tiros disparados só essa manhã.
Eu pensava que algo fosse
acontecer, que fosse me acordar para novos mundos, me dar energia para
construir outro platô possível pras sobrevivências que eu amo, como espécies
animais habitantes de muitas dimensões. O teatro, esse cachorro simpático, lugar cada vez mais raro de meu acesso e ainda
assim tão vivo em mim, todos os dias. Todos os dias há alguém que sobre um
palco (que é a vida presente), age.
Sei que hoje alguém acordou,
cambaleou pela casa até a cozinha, os
pés ainda dormindo, estranhando a dureza do chão, unhas da maneira como a
natureza as fez. Abriu a geladeira. E entrou em um teatro vazio. Sem roteiro.
Estava ali para ensaiar algo. Corpo, espaço, respiração. Ela se apoia em seu
corpo para estar ali fruindo da efervescência que é haver vida sobre um
tablado.
Dentro da geladeira um palco. No hiato entre
os mundos, onde mora o teatro, também mora a geladeira. Abrindo a geladeira a
gente encontra o vazio, o palco vazio. E a gente sente: agora é comigo, eu que
escolho pra onde vou. A sede e a criação são farinha do mesmo saco.
DENTRO DA GELADEIRA
Agora estou aqui.
Começo pelas tensões. Não é simples
sentir, aceitar as tensões. Teria de se mover com elas ali mesmo. Mas porque
mover? Mover o que? Um movimento sem vocabulário. Seria apenas um corpo
existindo e nisso não parece haver arte até porque ninguém vê. Que historia eu
vou contar, dentro da geladeira, nesse palco vazio que é a geladeira aberta
frente a minha mente em branco, com o mundo aí se virando e revirando la fora,
aqui dentro, em todos os lugares?
E palavra? Qual seria a palavra.
Uma palavra para o agora, alguma
capaz de captar o instante da egrégora, os anseios que não se sabem ainda
palavras. Ou o movimento que não se sabe ainda movimento.
Tudo é corpo ainda.
Corpo é tudo em potência.
Beleza.
Beleza é agora a palavra que me
cerca, por todos os lados. No momento que penso em dizer beleza talvez já não
seja bonito, mas é disso que se trata uma construção cênica. A gente trabalha até
ficar bonito. Então eu começaria assim: evocando a beleza. Tudo que é belo.
UMA TRANÇA ENTRE A GOTA, O TEMPO E
O MAR
O trampolim estético me manda para
o mundo da observação agradecida, que acho que muitos chamam de religião, e eu
concordo. Se pudermos trabalhar nos despachos estéticos das fricções do sem
sentido e do arrebatamento da consciência do finito, talvez possamos fazer uma
trança entre a gota, o tempo e o mar. A gota e o mar, de Sidarta Galtama:
“O que fazer para uma gora de agua não secar? “Joga-la
de novo ao mar”.
Lançar a minha gota de agua que é a
minha alma, ao mar, que é a experiência de vida – isso se dá através de uma ato
de estética. Como um despache, um mantra, um silencio, um sacrifício, ou
qualquer outra obra de arte.
O que a arte me ensina: qualquer
ato estético é um despacho, uma mensagem em dimensão espiritual que passamos
uns aos outros e às deuses. É a comunicação propriamente dita.
Pois não dá pra viver em estado de
orgia da consciência. Meu corpo é uma máquina limitada. Mas mais limitada ainda
a é ladainha de todos os dias me quer tomar a beleza que já é minha.
Não quero que me tomem a beleza,
então abro a geladeira. Todos fazem isso. É isso que fazemos quando abrimos a
geladeira: achar a beleza. La onde há um palco vazio, tão vazio quanto um
alfabeto de letras, números, formas,
movimentos, jogados uns sobre os outros sem harmonia. Sem dramaturgia. Busco dar sentido ao corpo e ele me parece um
fantoche quebrado de uma peça já encenada há muito tempo e que nem eu sabia o
roteiro direito. Esse fantoche fica ali, esperando por um sopro de ar que o
movimente. Eu levando os braços, mecho o quadril, ando de um lado ao outro.
Alfabeto empilhado, e de repente meus pés que, apesar de serem só meus, ganham
a sombra de todos os balés já dançados. Todas as obras estão pairando no ar e
sussurram contando piadas sobre o próximo ato. Eu não entendo, pois não o vi.
Os fantasmas da arte contam piadas internas mas que quero fazer parte do grupo.
O próximo ato. Qual é o próximo
ato? Quem sou eu no próximo ato? Quero voltar a ter meus pés, quero alinhavar
palavras para que minha alma volte ao mar. Estou dentro da geladeira, nessa
potente fenda do espaço-tempo. Espero que mais alguém abra essa porta: eu vou agarrá-lo pela roupa e faze-lo entrar.
Sentar-se na plateia que é aquele lugarzinho na porta onde geralmente colocamos
os ovos. Hoje colocarei ali bundas. Todas que abrirem essa porta. Eu vou perguntar “isso te faz sentido?” Se eu
levantar assim o braço, e depois pular e virar de costas: faz sentido? E se eu começar com “há algo de podre no
reino da Dinamarca?” Você vai querer ouvir essa história?
Telegrama chinês
Hoje mesmo
vivi um verão inteiro
Talvez amanhã acorde em 2016
Quem sabe
Enquanto calculo meu ciclo
mancho os lençois
a lua se esconde
Meus gatos agora devem estar dormindo na janela
sob o sol carioca das duas da tarde
Lembro quando o canino esquerdo do mais velho caiu
Ele ainda nem morreu e eu já tenho tantas saudades
Aqui, 1:11 da manhã
Peço nescau gelado no serviço de quarto
Amanhã trabalho cedo, no palco, que é meu lugar favorito (depois das florestas e dos buracos dentro das cachoeiras)
De manhã cruzo com crianças chinesas de mochilas e franjas
Aqui os bebês também choram
Todo o resto é diferente
Invento o conteúdo dos letreiros
Me divirto só
caindo de bicicleta em curvas acentuadas demais
em estradas encantadas, só minhas, por 10 km
Comi ostras
coisas de dentro de conchas
algas e transparências estranhas
Fecho os olhos e não me lembro onde mesmo estou
Havia sonhado com paisagens tão antigas
Com toques que já não existem mais
Depois meditei sobre Saturno e pedi para que ele fosse sempre gentil comigo
Sei que não é de sua natureza
Mas não custa tentar
abusivo
aos machos ascencionados da minha life
(que me roubaram a palavra desapego e amor incondicional e as fizeram parecer discurso hipócrita)
Gengibre é bom pra garganta
Limão pro sangue...
Alecrim pro coração
E pro caráter é bom o que?
Deixa eu te recomendar
Sou expert em afeto
Em campo emocional semântico sou PHD
Apesar da minha função, pra você
(nossa, como demorou pra eu entender)
Sempre foi ficar na estante
vendo o teu jogo acontecer
E só sair de lá quando você quisesse fuder
Ou bancar por aí um novo romance
( pra quem? pra quê?)
Tempo dá novidade
E o fogo faz transmutar
Eu queimo, e não é (só) ansiedade
Se você entrou na minha fogueira foi porque quis entrar
Os mais fracos são os mais perigosos:
eles falam que não tem força, você dá.........
Aí já viu
Fudeu
Sumiu –
Quem fez já não está
É a transitoriedade da vida (som de pássaro)
o coração leve do desapego (mantra Om)
Que funciona mais ou menos assim:
“tu fica aqui, enquanto ta bom pra MIM
E eu falo o que tu quer ouvir porque sei muito bem te iludir
Eu não tenho nada a perder então é super easy me divertir
Mas quando eu cansar e vou vazar
E não mete essa de me responsabilizar
Amizade? É só com quem eu nunca comi.”
Aprendido?
Aprendi
Se você mentiu ou deixou de mentir
Se você sumiu ou nunca esteve ali
Se você amou ou só se lambuzou na dádiva do meu sentimento sincero
Já não me pergunto
Não te amo não te mato não te quero
e nunca mais te curo
(Eu, enfermeira pessoal do teu ego)
Eu rimo tudo enquanto escalo
e refaço o curativo desse rasgo-ventre-punhal desleal
que você me deu
num estalo
(E eu remendei muito mal)
Então, faz favor:
pega o seu xamã interior
E enfia
No Buraco
Do seu pinto sujo
E a CNV que se exploda (seu Compêndio -de-Não-Verdades)
Reprograma sua neurolinguística pra ver se com o coração dos outros pára de fuder
Ególatra do Instanamastê
Compra tua ascensão espiritual aí no pacote
um tapetinho, um mantra e um calote
Afetivo
Em nome da sacralidade do seu ser
Buda na bolsa de valores, manipulando os dados
E eu investindo em empresa fantasma
Você é moeda sem lastro
Sinceramente, irmão
Se tô sangrando agora (e não é metáfora não)
É porque tu me puxou o tapete
Me enrolou mais que baseado
Me fez engolir mais que boquete
E me roubou uns 9 meses de gestação
(De mim, e só, graças a Deusa eu acho)
Abortei tua mentira rranca viscera de gado
Sangramento menstrual fora do ciclo
Não precisa de doutor pra dizer, eu te digo
Chama mau-caratismo, uso e estrago
De hoje em diante só vou pintar vagina verde
Vagina abacate
Vagina cura e sangue escarlate
E ser como sempre fui: fina haste
Entregue e inteira
Acho que eu já aprendi o que eu tinha que aprender com você(s)
Deus queira
10 de janeiro de 2018
MORTE
Ontem eu era maior que hoje. Eu era mais forte, tinha mais
dentes. Hoje tenho apenas um dente. Tenho unhas frágeis, cabelos escassos, uma
perna pela metade, uma mão com três dedos, um coração que bate vez ou outra, e muito
forte. Hoje quase não tenho ar. Acho que morrer é assim como sou eu hoje. Hoje eu
morro e não tenho saudade do que deixo para trás. Hoje eu permaneço, fico,
apodreço, em qualquer esquina, no pé de qualquer árvore urbana, totalmente indiferente
ao rosto dos meus conhecidos, amigos, queridos. Familiares, seqüestradores,
saqueadores, críticos de arte, curadores, empregadores, terapeutas, xamãs,
donas de casa, domésticas, jornaleiros, porteiros e caixas de supermercado.
É quarta-feira. A praia
ainda está lá, sem o menor desejo de mim. A lua vai sair, é verão de novo e não
existe amanha. O verão sempre traz a morte em mim.
Dois dias atrás eu queria ter filhos, marido, emprego, um
carro. Plantar um abacateiro. Facilitar processos grupais. Amar. Ser amada.
Hoje eu lido apenas com a morte.
Fogueira nenhuma. A imagem
de uma fênix na parede me lembra uma lenda antiga que não é contada há muito
tempo. Serão muitas horas, muitos dias meses anos de escuridão e amargo. Deve ser
assim a morte. Escura e amarga, com olhos abertos fitando o lado de dentro da
porta de um armário. Sem agenda. Sem sinal. Sem emprego. Sem função.
A cidade da morte pulula o interior do meu corpo. Tantos fantasmas
que ficam aqui dentro só olhando: a sala vazia e tediosa que sou eu. A rede
globo e suas vinhetas acusando a imensa, infinita repetição dos dias. Eu escuto
o sinal dos intervalos na televisão dos bares, de tarde, quase vazios.
30 de outubro de 2016
inicio de pensamento sobre vestigio
O altar dos bebês abacates está enfeitado com flores secas. Dois
potes de canela se vêem pela primeira vez e se apaixonam. Isso tudo acontece ao
lado esquerdo da minha vista, enquanto eu cozinho ao fogão. Um estranho habito,
como eu me percebo aqui.
O espaço é vibração de estar: freqüência cardíaca e
cerebral.
O tempo não se toca. Me
sinto agora, quase impossível dizer, impossível dizer como. Por um segundo olho
pra mim mesma nos olhos. Vertiginoso, eu olho pro que eu sou. Será que a situação resvala ainda pro mesmo
lado? Os lugares, antigos lugares de vida, desses que quando a gente olha bem sempre está
lá, em algum lugar. Essa pedra de repetição de si, o que sobra, quero
livrar-me.
Aproxima-te de mim , é como caminhar descalça na escuridão. Abrir
o terceiro olho, filha. Tateia esta estrada na qual segue. Os tons diferentes
de preto que se vê no interior das pálpebras. Os cheiros. Escuta com a nuca,
fala com a barriga, abre o peito, se reintegra, abrindo espaço, pedindo licença
pros habitantes etéreos do mundo. Seguirá na força do caminho que vem de dentro
do teu peito, que jorra fazendo estrada à frente, a estrada que se faz no
caminhar. Nada melhor do que a boa e velha presença.
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